sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A substituição



Na minha bela turma de 7º ano, faltou uma professora e tiveram aula de substituição. Só sei que os anjinhos da turma armaram uma zaragata de todo o tamanho. Dois dos miúdos estavam perto da carteira da professora a ver não sei o quê, um terceiro, o chamado "chato", aproximou-se; então o anjinho nº1 disse ao anjinho nº2 que o anjinho nº3 (o chato) lhe tinha feito os cornos atrás da cabeça (o que era pura mentira); o nº 2, que é muito infantil ainda, atirou-se e ele; lá os separaram; mas o ofendido não desistiu e - como uma aula de substituição tende a descambar em território sem lei - voltou à carga; atiram-se mais uns 3 ou 4 a separá-los, caem carteiras e o anjinho nº2 parte os óculos. "A professora não fez nada", queixa-se uma menina.

A seguir tiveram Assembleia de Turma comigo e eu fiz mais uma audiência formal e ouvi todas as testemunhas e, por final, os anjinhos. A tónica dos discursos era apurar quem tinha a culpa: o nº1, o nº2 ou o nº3. Expliquei-lhes que todos tinham uma parte de culpa. E tentei mais uma vez mostrar que se andam a bater-se alguém há-de ficar magoado. E agora quem vai pagar os óculos, perguntei-lhes.

Lembrei-lhes que outro miúdo da turma (o diabinho nº1) estava em casa de braço partido por causa de um pontapé no andebol (de agressão, pois). «Querem ir mesmo parar ao hospital? Olhem que não tem muita graça».

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A insolência


Entreguei os testes sobre Camões à turma de 10º ano: 50% de negativas numa dúzia de alunos, os resistentes, ou seja, os mais interessados. Avisei que tinha havido respostas copiadas e que normalmente isso implica anulação do teste, mas neste caso apenas exigiria que fizessem o teste de recuperação. Antes ainda de começar a habitual e necessária correcção, começaram os esclarecimentos fora da ordem de trabalhos: «Ó setora, as respostas não estão iguais. Veja aqui». Fui ver. Onde dizia "existe" num teste, dizia no outro "há". "São sinónimos", expliquei. "O resto da frase está igual".

Mas o aluno insistia. O que mais me espantou foi o descaramento, que não sei se é de ignorância ou de insolência. E voltou a insistiu. Encolhi os ombros e disse-lhes que para mim as palavras são transparentes, ainda que para eles possam ser nebulosas. (Para a semana hei-de explicar-lhes o conceito de plágio.)

A seguir outro aluno levantou a questão dos erros (ortográficos ou gramaticais) que, por método, desclassifico em 1 ponto sobre 200 (ou 0,05%) cada. «Nunca vi nenhum setor fazer isto, isto é injusto». Expliquei que o erro faz parte dos critérios de avaliação em língua portuguesa e que todos os professores os penalizam, podem é usar outro método. O rapaz começou a empolgar-se. Fui avisando: «Eu respondo a todas as dúvidas. Mas cuidado com a insolência». Controlou-se.

Nova investida do mesmo aluno, a tentar ter razão: «Este teste não está bem avaliado. Isto não é um teste para 7,5, é pelo menos para 8,5». Respondo: «Usei um critério igual para todos». Ataca de novo: «Eu vou mostrar o teste a outro setor a ver se não acham que é um teste para 8,5». Devolvo: «Acho bem, podes mostrar a quem quiseres. Mas olha que os meus colegas confiam no meu trabalho». Nem lhe disse que os critérios de avaliação são inevitavelmente pessoais, não são universais.

O primeiro volta à carga. Agora porque eu não os respeito e os trato por tu. Sorrio: «Pois é, é um hábito, mas é que tenho idade para ser vossa mãe». E ele a dar-lhe: «Os outros professores não nos tratam assim». Fiz então um arrazoado sobre as diferenças de tratamento, os contextos, as intenções e rematei dizendo que não me calha tratá-los de outra maneira, porque para mim são uns miúdos. E se querem ser tratados por você, então que se portem como gente adulta. «Não trata por tu os outros setores», disseram ao desafio. «Claro que sim, são da minha idade e já nos conhecemos há muito». «Mas não trata por tu o presidente da escola?» «Claro que trato, é meu colega».

Ainda lhes disse que tenho mais experiência que eles e que já passei por aquela idade. «Ai não passou não, a gente já passou muito!» Pacientemente: «Vocês terão outras experiências, mas eu tenho mais 30 anos que vocês. E de língua portuguesa sei muito mais». Continuaram a protestar (já não sei de quê). Perdi a paciência: «Estás reclamar porquê? Nem sequer sabes escrever». O miúdo saltou da cadeira. Corrigi: «Não sabes escrever bem, e é isso que estou aqui a ensinar-te».

O mundo anda virado ao contrário: eu não posso dizer aos alunos que escrevem mal; mas eles podem achar que eu não sei da minha profissão.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Os escravos



"Escravos" é a vulgata usada para auto-nomeação dos DT, acrónimo de Director de Turma. Ao DT cabe um sem número de tarefas e responsabilidades que lhe tornam a vida no mínimo difícil e no mais impossível. No nosso horário temos dois tempos por semana (90 minutos) destinados aos trabalhos de organização da turma e mais 45 minutos para atender os pais. Já era assim no tempo da outra senhora (ministra); mas esta resolveu dar-nos que fazer e transferiu, das auxiliares e da secretaria para as costas dos DT, o trabalho de registar as faltas e mandar cartas aos papás.

Como nesta escola as turmas são algo problemáticas, caem dezenas de faltas por semana para levantar e introduzir do computador, mais numerosas cartas aos encarregados de educação, mais os telefonemas aos ditos para controlar o mau comportamento dos meninos, que já deixei de fazer, pois perdem-se horas nisso e só há um telefone; além de reuniões e actas e planos de recuperação e sinalizações e participações disciplinares a encaminhar ou a resolver e sobretudo - sobretudo - uma actividade intensa de resolver problemas do dia-a-dia com os miúdos, ora de comportamento, ora de rendimento escolar, ora apenas problemas individuais, que todos têm, e ainda passar recados e recolher fichas e conversar com os colegas sobre atitudes a tomar. Andamos sempre a correr de fogo em fogo.

Além de andarmos atrás das crianças, temos ainda que andar atrás dos pais que não vêm à escola, nem depois de várias vezes chamados; e só vêm quando se ameaça com a comissão de protecção de crianças e jovens. E o tempo nunca chega, mesmo gastando nestas actividades ditas de "direcção" 10 ou 15 horas por semana.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Dia a dia



Hoje o dia correu-me bem, ao contrário do que é mais habitual. Uma pessoa começa a habituar-se a esta oscilação imponderável das forças do universo e acaba o dia a fazer um balanço simplificado: ora correu-me bem e sinto-me bem; ora correu-me mal e estou exausta e desmoralizada.

Hoje, os 24 miúdos do 7º lá se esforçaram por estar mais sossegados, e eu esforcei-me imenso por os controlar usando os meus gestos, olhares e comentários. Aos poucos, a relação professor-colectivo vai-se tranformando num somatório de relações individuais, que se estabelecem como o produto de uma história longa entre mim e cada um deles. Hoje consegui vagamente cumprir metade dos objectivos da aula de língua portuguesa.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Provocação



Veio pela segunda vez a uma aula nos últimos dois meses, depois de ter faltado ao teste. Perguntei-lhe se tinha intenção de fazer o teste de recuperação, ou se ficava com o "módulo" por fazer. Declinou. Não estranhei muito. Quase metade da turma do curso profissional abandonou as aulas, porque realmente não estão nada interessados e só aparecem para chatear. Eu e os outros professores lamentamos que estes calões maiores de idade dêem tão pouco valor a um curso que lhes é oferecido com o dinheiro dos contribuintes para promover a sua qualificação profissional, quando eles - que já podiam estar a trabalhar - ocupam o lugar de outros, mas não fazem mais do que fumar charros à porta da escola, enquanto mastigam a sua "revolta" incompreensível contra os professores, graças - suponho - à mesada que os pais lhes dão.

Tinha começado a aula, quando irrompe um som forte de gemidos (pornográficos) de mulher. Mais uma provocação. Imediatamente, circundo a sala para perceber de onde vem o som e percebo que é de um computador lá trás. Desligo-o logo e comento: "Não sei quem foi o idiota que ligou isto" (evitando dizer "estúpido"). Controlo a leve irritação e continuo a aula. (Poderia ter armado um pé-de-vento, feito uma participação disciplinar colectiva e tentado obter uma denúncia; mas tal não me ocorreu). Continuei como se nada me tocasse.

Meia hora mais tarde, alguém diz qualquer coisa (que eu não percebi), todos riem; comento que «não percebi a piada» e mando-os calar, avisando que não quero mais risos até final da aula; o aluno-turista reincide nas risadas; aviso-o: "É a segunda vez que te aviso"; começa a protestar alto e com mau-modo que os outros podem e ele não, fazendo o papel do injustiçado - que parece ser o prato preferido dos desacatos destes homenzinhos com problemas de auto-estima; ouço-o até ao fim e respondo: "Já é demais, podes sair da aula". Satisfeito com a sua performance, ele sai sorridente, eu marco-lhe falta disciplinar e, mais tarde, faço uma participação ao DT. Suspeito que foi à aula só para me fazer aquela partida; ou para vingar o amigo da outra turma que eu suspendi por 10 dias...

sábado, 24 de janeiro de 2009

Avalização



Um ou dois milhares de gatos pingados frente ao palácio de Belém, contra a avaliação do desempenho docente. A luta esmorece. Na minha escola, não conheço, além de mim, quem se tenha recusado a entregar os objectivos individuais. Noutras escolas, a mobilização é mais fácil, pois foram tomadas posições colectivas de suspender a entrega dos "objectivos individuais".

O absurdo desta avaliação provém, descobri-o só agora, de uma aplicação cega do modelo de avaliação do desempenho na função pública - o chamado SIADAP, publicado em 2005 - às escolas. O "Novo sistema da avaliação da função pública" entrou em vigor em 31 de Dezembro de 2007, segundo o diarioeconomico.sapo.pt (em cache):

« No que diz respeito aos serviços, o SIADAP realiza-se com base nos seguintes parâmetros: objectivos de eficácia, de eficiência e de qualidade, sendo estes objectivos propostos pelo serviço ao membro do Governo de que dependa. A avaliação final pode ser classificada por desempenho bom (atingiu todos os objectivos, superando alguns), desempenho satisfatório (atingiu todos os objectivos ou os mais relevantes) e desempenho insuficiente (não atingiu os objectivos mais relevantes). Pode ainda ser atribuída uma distinção de mérito reconhecendo desempenho excelente, o qual significa superação global dos objectivos. Contudo, este desempenho de excelente só pode ser atribuído a 20% dos serviços de cada ministério».

Mas também na função pública o sistema se tem revelado pernicioso, estimulando a competição, em vez da colaboração, pois precisamente estabelece quotas de Excelentes, Muito Bons e Bons, que permitem progredir na carreira mais depressa. As quotas dividem arbitrariamente os trabalhadores em categorias, em vez de estimular a qualidade através do reconhecimento do seu trabalho. Também aqui os funcionários precisam de definir objectivos anualmente. Um motorista tem que estabelecer, por exemplo, 5000 kilómetros anuais de percurso; e será avaliado a posteriori em relação a esses objectivos que obviamente não dependem dele. Ridículo e inútil. Burocrático e absolutamente desadequado às práticas de uma escola.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O vírus de Pessoa



No 10º ano estive a dar um "módulo" sobre "texto poético" centrado na lírica de Camões e em vários poetas contemporâneos. O manual não apresenta nenhum poema de Fernando Pessoa, que, afinal, é o "Super-Camões" (epíteto que ele próprio anunciou). Assim, levei os alunos a passear pela obra de pessoa online. A partir do momento em que descobriram o poema de Álvaro de Campos intitulado A alma humana é porca como um ânus, não largaram o computador.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O processo (3)



Na turma de 7º ano em que sou DT, há um miúdo em quem todos batem. Já tentei resolver o problema por diferentes maneiras: no colectivo da turma e em particular com os alunos envolvidos; já avisei a mãe do menino, já sinalizei o psicólogo da escola; já combinei tréguas entre os dois principais beligerantes de 12 anos, quando eles se queixaram que "isto já vem desde o infantário"... Mas a tourada continua.

Hoje, na aula de Formação Cívica, fiz um "tribunal" em que cada um dos contendores tinha um advogado sentado a seu lado e falavam à vez, quando a audiência impaciente não interrompia e eu impunha a ordem gritando mais alto. Ouvimos várias testemunhas. Acontece que o rapaz é batido nos corredores, mas dentro das aulas retalia com palavras que levam os demais ao rubro. Expliquei peremptoriamente que às provocações se deve responder com o desprezo, virando costas; que o pior que se pode fazer a um provocador é não lhe ligar; e que isso o fará desistir em pouco tempo. Pode-se, no máximo, responder à letra, com outras palavras, mas nunca bater, porque isso já é caso para chamar a polícia.

Mas não me entendem, ou não os entendo eu. Apesar de terem tentado manter tréguas, diz o outro que não conseguiu controlar-se, porque o colega insultara a sua mãe. E nisto gera-se o burburinho e do meio da turma vários se insurgem: que quem dissesse alguma coisa acerca da sua mãe, levava logo! Volto a insistir: «Quando vos chamam "filho da mãe", não estão a insultar a vossa mãe, estão só a provocar-vos; são só palavras». Em vão. Grande agitação na sala. Enfureço-me já: «Se vos chamam "filho da puta", chamam de volta "filho da puta da puta". Mas o melhor é virar costas. Bater é que não».

Ao usar as palavras malditas, quis desmistificar o insulto. No dia seguinte, já uma colega me contava que os alunos achavam que se podia dizer asneiras porque a DT tinha dito... Também no conselho executivo já sabiam da história. Na próxima aula de língua portuguesa vou ter que levar um dicionário para explicar que existem todo o tipo de palavras, mas que o seu uso depende do contexto em que são permitidas ou aceites.

Ao fim do dia recebi a mãe da criança e expliquei ao rapaz que tem que deixar de provocar os colegas: «Senão qualquer dia ainda vais parar ao hospital com uma pedrada na cabeça». «Como o outro», concluiu o miúdo...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Reunião de Pais



Entraram na sala assim desarrumada como se vê, mas mais do que parece. Desculpei-me dizendo "estão ver que a turma que aqui esteve antes não era muito sossegada" (enquanto pensava que as funcionárias deviam pelo menos arrumar as salas para as reuniões; mas já todos nos habituámos ao caos). A reunião correu bem: despejei a minha acta antecipadamente escrita, mas sem olhar para o papel; as coisas jorraram umas atrás das outras - os número de negativas, os planos de recuperação, a necessidade de os pais acompanharem o caderno dos filhos e de lhes fazerem ver a importância da educação e de os ensinarem a respeitar os professores, os problemas de indisciplina nas aulas, não tanto de insurreição, mas de falta de autodisciplina, o barulho resultante, o atraso nas aprendizagens, enfim, etc. etc., poderia continuar - mas calei-me ao fim de meia hora. Nenhum encarregado de educação, ao invés do que eu temia, reclamou ou sequer piou. Pareciam convencidos. Enfim, como no "Gato Fedorento", saí de lá a pensar: "na minha auto avaliação, Excelente na relação com a comunidade".

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O Processo (2)



Faltou à primeira audição. Enviei nova convocatória por correio registado. Telefonei duas horas antes a saber se ia estar presente (não queria perder o meu tempo). Chegou com 10 minutos de atraso. Entrou no edifício (um anexo da escola) a chamar "Ó da casa!" Tomei o meu tempo, saí pelo corredor estreito, perguntei o que queria, identifiquei-o, identifiquei-me e disse-lhe que esperasse um pouco, apontando para duas cadeiras no átrio. Regressei à sala onde, por acaso, estava a DT, que mais uma vez me avisou: "Ele é impossível, muito bruto, tem cuidado". Fi-lo esperar um pouco. Nem dois minutos passaram, já devia espumar de impaciência e gritava "Ó s'tora!" e qualquer coisa que nem percebi. Tomei o meu tempo, dei a volta pela sala anexa e abri outra porta que dá para átrio. "Entre".

Com a maior das neutralidades, disse-lhe "Sente-se". Expliquei-lhe - qual funcionária da Loja do Cidadão - que iria ouvi-lo por causa do ocorrido da aula tal de dia tal da professora tal, e que no fim lhe pediria para assinar o depoimento. Pareceu mais calmo. Li-lhe então os factos de que era acusado, resumidos a 4 pontos. Ouviu atentamente e respondeu logo, ponto por ponto, sem falhas. Negou que tivesse dito palavrões na aula, só lá fora, alegando que não foram dirigidos à professora; só hesitou quanto às ameaças que fizera à professora, dizendo que não se lembrava, mas "era capaz"...

Em seguida dei-lhe a participação a ler. Negou de novo que tivesse dito os palavrões que lá estavam entre aspas. Chamou cínica à professora, por ela ter escrito que sempre o tentara ajudar e o tratara com respeito. Queixou-se então de ser injustiçado, porque a professora tinha preferências e deixava os colegas ouvir música com auriculares e a ele não. Perguntei-lhe se não achava que a professora também se sentira injustiçada. Não respondeu. Insisti: "É assim que trata a sua mãe?" (Já tinha a pergunta preparada de antemão.) Ele ia a responder que sim, mas reformulei logo a pergunta: "Gostava que tratassem assim a sua mãe?" Não respondeu. Não mostrou arrependimento.

Disse-lhe que teria que esperar um quarto de hora para eu poder passar as notas para o computador. Ele anuiu um pouco contrariado e impaciente. Quando voltou, leu em silêncio a minha acta e assinou, sem reparos, tudo o que antes dissera. Maior de idade.

Como já tinha ouvido dois alunos enquanto testemunhas da ocorrência, eu sabia que ele estava a mentir. (Enfim, tecnicamente falando, já que não me passaria pela cabeça duvidar da verdade das queixas da professora.) As testemunhas só não confirmaram as ameaças que ele admitiu. O seu "currículo" escolar é uma colecção de actos agravantes. Nenhuma atenuante encontrei, nem a mínima intenção de mudar de comportamento. Propus 10 dias de suspensão (pena máxima), considerando que insultar um professor é de gravidade máxima e que ameaçar é um acto passível de procedimento criminal; e visto que a transferência é só para casos em que está em perigo a tranquilidade ou segurança da escola.

Foi uma semana atrapalhada, em que não me sobrou tempo para mais nada. Mas achei graça a fazer de "inspectora".

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Greve (2)


Contra a farsa.
* Foto: propaganda da DGRHE

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Ensaio sobre a cegueira



Jogos de interacção e dinâmica social (não sei se é assim que se chamam) para ensinar os jovens a confiar nos parceiros; uma intervenção dos psicólogos da junta de freguesia junto das turmas de 7º ano.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

As quotas e as castas



Os professores andam malucos com esta história da avaliação, doidos com os objectivos que têm de preencher e entregar para a semana e com os "critérios de superação". Como na minha escola não houve qualquer mobilização colectiva, andam todos a dizer mal, mas ainda não encontrei nenhum que afirmasse não entregar os objectivos individuais (OI). É isso o que vou fazer e digo-o a todos com quem falo, pretendendo dar o exemplo. Mas a maior parte receia as represálias, pois os que aceitam o simplex2 serão avaliados pelo PCE.

Alguns estão dispostos a pedir avaliação pedagógica, o que implica aulas assistidas, portfolio e um avaliador da mesma área disciplinar. Mas aqui começam a surgir as armadilhas. De que serve concorrer para o Muito Bom, se as "notas" serão dadas por quotas? Pode até ter-se um desempenho MB, mas se não houver quota, fica-se apenas com Bom. E quem serão os escolhidos? Os que andam a amanteigar os superiores, comenta-se. Mas que quotas há, ninguém nos disse.

Os coordenadores de departamento (entre si coordenados) recusam-se a dar exemplos de como preencher os objectivos e dão informações mitigadas. Agora temos a casta dos titulares e coordenadores, que, sujeitos a uma avaliação administrativa feita pelo PCE, assumem o papel (ingrato, percebe-se) de transmitir a voz do dono e não dar opiniões. Estão distantes dos outros, não podem, dizem, tomar posição. Foram instrumentalizados já por este regime hierárquico que os sujeita à obediência. Questões de pormenor remetem para o PCE. (Mas estará o PCE disponível para tirar dúvidas pontuais a 120 professores?)

O PCE, esse, já não é dos nossos, é mero emissário das políticas do ME e contorcionista entre regulamentos e despachos. O "povo" já murmura entre dentes contra a hipocrisia dos "administrativos". O PCE, efectivamente eleito pelos colegas, já não os representa hoje. A democracia acabou.

Valentes e coerentes são os 139 PCE e as centenas de escolas que, em moção colectiva, suspenderam a entregas dos OI.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O processo (1)



Para instaurar um "procedimento disciplinar" a um aluno é nomeado um "instrutor" que deve no prazo de 5 dias úteis averiguar os factos, convocar os interessados, nomeadamente e "obrigatoriamente" o aluno e seu encarregado de educação, bem como as testemunhas que entender necessárias para produzir a "prova". Ouvidas em "audiência", deve lavrar os "autos" que serão assinados pelos próprios, bem como a notificação-convocatória.

O aluno deve ser convocado com dois dias úteis de antecedência (por correio registado com aviso de recepção). No termo da instrução, o professor instrutor, juiz em causa alheia, deve propor uma sanção (ou não), que será comunicada ao presidente do Conselho Executivo que tomará a decisão final ou convocará o Conselho de Turma. O processo é confidencial e "inicia-se e desenvolve-se com carácter de urgência, tendo prioridade sobre os demais procedimentos correntes da escola".

Não foi por isso que deixei de dar aulas, mas mal tive tempo para as preparar. Esta semana passei na escola 44-horas-44. Acusado de insultar repetidamente várias professoras, o aluno, maior de idade, faltou à audiência.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

De sol a sol



Hoje foi a "jornada de reflexão e luta", marcada pelos sindicatos, dia em que se fizeram, ou fariam, reuniões de professores sobre a avaliação docente, com faltas justificadas ao abrigo da lei sindical. Fariam, na minha escola. Pois nem sequer o painel sindical tinha afixado o anúncio da jornada e da greve do próximo dia 19. Não havia informação nenhuma. Cheguei muito cedo à escola e, armada em delegada sindical, dediquei-me a afixar nas vitrines dos armários um rol de informações que retirei da internet, ao mesmo tempo que marquei uma reunião para a hora de almoço. A quem chegava e perguntava pela reunião, eu respondia que a reunião era aquela conversa informal e a discussão do assunto sobre o qual não me considero sequer suficientemente esclarecida.

Em todo o caso, já defini uma posição que defendi perante os colegas com quem travei diálogo: a recusa em entregar os objectivos individuais, segundo estratégia recomendada pelos sindicatos - e sem possibidade de sanção, ao contrário do que ameaçou o secretário de estado Pedreira. Esta recusa assumo-a enquanto tomada de posição profissional e política de rejeição deste modelo de avaliação. Não creio que tenha convencido nenhum colega. O nível de cobardia nesta escola chega a ser chocante.

Note-se que a entrega dos objectivos individuais não é obrigatória nem está consignada na lei como etapa do processo de avaliação. O que é obrigatório é a auto-avaliação do professor no final do ano lectivo. Só aí se inicia o processo de avaliação.

Eis os documentos que afixei hoje nas paredes:
Documento de Apoio à discussão
Guião para a discussão
Tomada de Posição de Escola
PROmova - Comunicado
Opção: Não Entregar os Objectivos Individuais
As consequências da não entrega dos objectivos individuais
Perguntas e respostas sobre a avaliação de desempenho: a perspectiva do website do ME
Da Irrelevância Dos Objectivos Individuais Para O Processo De Avaliação À Luz Do ECD
Os Objectivos Individuais No Decreto Regulamentar 2/2008
Os Objectivos Individuais No DR 1/2009-A
A Avaliação Pelo Expresso

A meio do dia tive a prenda de ser nomeada instrutora de um processo disciplinar. Saí da escola ao pôr do sol.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Os objectivos



A semana começou sob o signo da avaliação. De acordo com o chamado "simplex 2" da avaliação, o conselho executivo estabeleceu um prazo para a entrega dos objectivos individuais de cada professor, que devem deduzir-se dos objectivos de escola, que por sua vez transpõe os objectivos nacionais, que são: reduzir o insucesso e o abandono escolar.

A avaliação incide agora apenas sobre quatro parâmetros, eliminados que foram pela ministra, qual benesse natalícia, os outros dois mais polémicos: a "melhoria dos resultados escolares dos alunos" e "a redução do abandono escolar". Resta então avaliar:

A. a "prestação de apoio à aprendizagem dos alunos incluindo aqueles com dificuldades de aprendizagem",
B. a "participação nas estruturas de orientação educativa",
C. a "relação com a comunidade" e
D. a "formação contínua adequada ao cumprimento de um plano individual de desenvolvimento profissional do docente".

Quanto à avaliação da componente cientifico-pedagógica - indispensável para obter um Muito Bom ou Excelente - é só para quem a pedir, e aqui se incluem as aulas assistidas e a apresentação de portfolio.

Assim, por exemplo, a "ficha de definição de objectivos individuais" estabelece, no parâmetro A, como "padrão esperado": "melhorar os resultados escolares em 50% dos alunos assíduos, até ao final do ano"; e como "padrão de excelência": "melhorar os resultados escolares em 70% dos alunos assíduos, utilizando estratégias diferenciadas até ao final do ano lectivo". A percentagem de melhoria condiciona a atribuição da classificação Muito Bom ou Excelente (respectivamente).

Para obter uma percentagem maior de melhoria, convém aos professores começar por avaliar os alunos bastante por baixo, no início do ano. E melhorá-los até ao final, onde sabemos que acabarão quase todos por passar de ano... Agora entendo de outra maneira a razia sem dó dos professores no 1º período, aquilo que eu pensava ser exigência e recusa da hipocrisia.

As fichas que temos que preencher (diferentes em cada escola) são - a meu ver - abstrusas; uma perfeita anormalidade que não se percebe como preencher nem parece conter nada de relevante. Para cada um dos quatro parâmetros, o professor deve indicar, à partida:
1. os objectivos individuais propostos;
e prever o "grau de cumprimento", estabelecendo:
2. "indicadores / critério de medida"
3. "fontes de recolha" e
4. "critério de superação".

Estas dos critérios de superação é que eu acho demais. Eu proponho-me como objectivo fazer x horas de formação certificada (obrigatória) com nota de Bom; o critério de superação será ter nota de Muito Bom. Eu participo em tais e tais estruturas educativas; o critério de superação será participar ainda em mais? Eu proponho como objectivo apoiar individualmente os alunos, mas tenho ainda que pensar no critério de superação; e qual será: apoiar mais alunos? apoiar melhor?!

No caso, por exemplo, do parâmetro "redução do abandono escolar" (excluído transitoriamente), tínhamos que se eu conseguisse evitar o abandono escolar de 2 alunos estava dentro do "padrão esperado"; se conseguisse evitá-lo em mais alunos, seria agraciada com o "padrão de excelência". E se eu não tivesse casos de abandono escolar para salvar? E como é que se prova que se evitou uma coisa que não chegou a acontecer? O aluno faltava, faltava, e consegui convencê-lo, obrigá-lo, atraí-lo a frequentar as aulas? Ou o aluno era desinteressado, mas consegui que viesse às aulas. E que "fontes de recolha" podia eu apresentar para comprovar a minha acção? Os relatórios, as actas, tudo quanto é papelada; mas certamente não seria fácil de verificar o trabalho de diálogo e persuasão que - esse sim - constitui o cerne da relação pedagógica...

A lógica deste sistema parece ser: definir objectivos baixos para depois provar que são superáveis. Ora, isso, para mim, é a lógica da mediocridade. Os meus objectivos costumam ser, sempre e antes de mais, cumprir o programa de aprendizagem e outras funções necessárias. Os programas curriculares, como toda a gente sabe, foram sempre difíceis de cumprir, pela sua extensão ou ambição. Mas trabalhávamos para esse objectivo talvez alcançável. Tentávamos ir tão longe quanto possível. O que cada vez é mais difícil. Por isso, só me acharei em condições de saber que objectivos consegui atingir quando chegar ao fim do ano. Sei que ficarão sempre aquém do que desejava, mas sei que foram o máximo que consegui fazer. Também sei que a excelência nesta profissão é um mito.

A avaliação da componente organizativa ou burocrática - a única que é actualmente exigida - considera que, se em vez de 100 conseguirmos fazer 120, temos um desempenho excelente. Ora, nas profissões onde se joga com o factor humano, não é possível estabelecer objectivos como numa fábrica de sapatos.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Dia de paz



Hoje foi dia de actividades desportivas e culturais na escola. Em resultado tive metade dos alunos em cada turma. No 7º ano consegui finalmente dar uma aula digna desse nome. 90 minutos de ensaboadela sobre coisas simples que os alunos já deviam saber, mas não sabem: distinguir um nome de um verbo, para poder identificar sujeito e predicado numa frase, para poder separar as orações dentro das frases complexas. Até me pareceu que estavam a aprender alguma coisa. Porque era só meia turma, logo, metade dos problemas de dispersão, irrequietude, interrupções e barulho.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Frustração



É difícil explicar a quem não conhece: a frustação de trabalhar um dia inteiro em esforço e ao fim do dia o resultado ser quase nulo. A constatação repetida: "não consigo ensinar nada", porque os miúdos são incapazes de prestar atenção. Um investimento desproporcionado em relação à resposta. E cada novo dia, reunir energias e ânimo e esperança e ilusões : hoje, sim, vai funcionar melhor, vou cativá-los, vou convencê-los, vou recuperar as dificuldades, vou metê-los na ordem... Reinventar todos os dias, procurar soluções, mudar as tácticas. Tudo inglório e inútil. Pergunto-me: o que estou aqui a fazer, se o que faço de nada serve? É que nem aos poucos que estão interessados consigo ensinar, transmitir, desenvolver ou estimular, pois a metade maior da turma não o permite.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Imobilização



Depois dos ataques soezes do ministério aos professores, depois da hierarquização artificial da carreira docente que põe uns a obedecer aos outros em pirâmide de coacção directa provinda do ministério, depois da palhaçada de uma avaliação tornada mero cumprimento de procedimentos burocráticos, depois do suborno aos presidentes dos conselhos executivos, depois do golpe fatal na gestão democrática que antecipa a entrada em cena dos directores, depois da chantagem do Secretário de Estado para desmobilizar a greve dos professores prevista para dia 19, das ameaças várias, da perfídia reiterada por Sócrates de que os professores nunca antes foram avaliados, depois disto e tanto mais, que nos resta fazer?

Apesar da união que se viu na manifestação de Novembro e na greve de Dezembro, sinto que o ministério conseguiu confundir e dividir os professores. Pôs a avaliação a saldos: aproveitem este ano, que a avaliação está fácil, para o ano já contam os resultados dos vossos alunos... Os professores começam a pensar individualmente: se se recusam a ser avaliados, os colegas ao lado passam-lhes à frente, ocupam os poucos lugares que haja ou venha a haver, é uma carreira queimada.

Na minha escola, não vejo qualquer mobilização colectiva, e os que se manifestam estão todos mais ou menos dispostos a sujeitarem-se à avaliação, por muito estúpida e injusta que seja. Quem estará disposto a fazer perigar o seu ganha-pão e o futuro-futuro?

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Aceitar a realidade

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Depois de quatro meses a reagir, a negar, a combater e a desmentir os factos da realidade - à luz da memória do que antes era a escola - entrei no "novo ano" com uma atitude diferente: a aceitar que a escola é mesmo isto. Pode até ser (embora me custe acreditar) que nunca volte a ser o que já foi: uma escola acolhedora, estimulante, exigente e alegre. A escola que respirava saúde, juventude e esperança de futuro já não a vejo. A escola enquanto micromundo organizado segundo regras democráticas de convivência e respeito também já não existe.

Aceito portanto que 60% dos meus alunos não se interessa minimamente por estudar e está nas aulas apenas a impedir os outros de aprender. Aceito que - depois de aplicados os "planos de recuperação" àqueles alunos - nenhuma razão poderei invocar para não os fazer transitar de ano, uma vez que foram feitas todas as diligências e esforços para os recuperar e eles evoluíram à medida das suas possibilidades - pelo que, no final do ano, serei "obrigada" por lei a passá-los. Para quê dizer mais?

*Foto: Anschool, de Thomas Hirschhorn, em Serralves (2005). De O que seria a escola.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Arranque



Afinal hoje correu tudo bem.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Antecipação



Hoje passei o dia com dores de estômago - mero efeito de ansiedade antes do início de aulas. Até que, ao fim da noite, este sketch do Gato Fedorento conseguiu curar-me...