domingo, 30 de novembro de 2008

Debate sobre indisciplina e CEFs



1. 31 processos disciplinares numa semana. Como um grupo de delinquentes destrói o ambiente de uma escola

«A agressão a soco e pontapé de um aluno de 16 anos à professora de 50 anos, na escola 2/3 de Jovim, em Gondomar, foi, no entender da vítima, o "culminar" de um clima de grande tensão que se vive naquela estabelecimento de ensino. A docente alerta para o facto de, numa só semana, terem sido registados 31 processos disciplinares (...)».

«É evidente que a escola EB 2,3 de Jovim está refém de um grupo de delinquentes. Um grupo de delinquentes que não deviam estar na escola, mas sim num colégio de portas fechadas que os sujeitasse a um processo de reeducação que integrasse:
i. Acordar todos os dias às 7:00 com marcha na parada durante 30 minutos (...)».

Fonte da notícia: CM de 30/11/08

2. Um debate sobre os CEFs. Um tumor que corrói o ambiente das escolas ou um instrumento necessário para combater os males da sociedade?

«Querer resolver, dentro da escola, um problema que o estado não resolve, e devia, está a prejudicar aqueles que fazem da profissão docente aquilo que ela deve ser: formar uma geração devidamente habilitada para melhorar, no futuro, as condições de vida de todos.» (Ramiro Marques)

3. Anabela Magalhães faz a defesa dos CEFs

«Com o saber de experiência feito permito-me discordar quando o Ramiro afirma que "Os CEF`s são um tumor que corrói os tecidos sãos das escolas onde estão implantados." Alguns alunos dos CEF`s, pela minha experiência muito poucos, são um verdadeiro tumor, mas são casos verdadeiramente excepcionais dentro destas turmas. Poderei lá eu voltar à sala de aula na terça-feira e olhar para o meu M, o meu F, o meu C, o meu B... como tumores?! Jamais enquanto professora tomei esta atitude e não desisto de os trazer para mim, para a Escola, para a Educação, até se me esgotar o último fôlego! E não acho que com esta atitude faça nada mais do que a minha obrigação como professora». Anabela Magalhães

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A má educação



Esta semana pegou a moda de roubar telemóveis. Uma professora em substituição foi roubada pela minha turma, "turma simpática até", disse-me ela. Depois, foi à sala um professor do Conselho Executivo e reteve os alunos na sala até os revistar todos. O telemóvel não apareceu.

No dia seguinte, os alunos estavam muito zangados por os terem feito sair mais tarde. Discutiram o assunto em Assembleia de Turma. Ao fim do dia recebi uma mãe que vinha protestar e exigir que o professor em causa pedisse desculpa à filha por a ter acusado. Lá lhe disse que a suspeita era geral, não pessoal. Responde-me: «Se os professores querem ser respeitados, têm que se dar ao respeito». Fiquei sem resposta, não estava à espera. Mandei-a tratar do assunto com o CE.

Com pais destes, como podem os filhos sair bem-educados?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A bola de neve



Quando começa a rolar ninguém a pára. Assim é com a indisciplina. Desde há três semanas pegou a moda de insultar as professoras. Mas, note-se, acontece sobretudo nas aulas de substituição, onde os alunos sabem que não são conhecidos - nenhum vínculo ou relação pessoal os liga àquele professor - e aproveitam para fazer as maiores tropelias que conseguem. E não se pode pará-los? Poderia, mas era preciso que os professores deixassem de se acobardar. «Isto já bateu no fundo», diz quem já ficou debaixo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O capricho



Estava na sala de professores, quando chega à porta uma menina da minha turma a chamar-me. Vem queixar-se da professora de matemática. Conta-me que estava a falar muito e a professora a mandou calar várias vezes, até que começou a preencher o papel de ordem de saída, mas depois parou. E ela, a menina, insistiu, perguntando se afinal não ia sair da sala. A professora não lhe respondeu, continuando a dar aula. Entretanto uma colega disse-lhe que o papel da participação de saída estava no caixote do lixo e ela foi lá ver: estava mesmo. E a professora continuava sem lhe responder. Então a menina chateou-se a disse: «A setora está-me a dar desprezo!». E saiu da sala.

E veio queixar-se a mim que a professora de matemática lhe tinha dado desprezo! Lá lhe fiz ver que a professora estava a dar a aula e que não podia estar a perder tempo com outras coisas. Que a professora até lhe tinha dado a oportunidade de ficar na aula sem repreensão, e ela afinal só incomodara mais. No fim da conversa, ela achou que era melhor ir pedir desculpa à professora.

E eu fiquei a pensar que estes miúdos têm um umbigo desmesurado.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Mimados e enfadados



A minha ideia inicial de blogue era contar aqui as coisas simpáticas e boas que acontecem numa escola. Julgava eu que seria capaz de dar uma visão positiva dessa tarefa social tão desprezada que é a do professor. Mas ia enganada.

Ensinar hoje é tão difícil. Os alunos são hipercaprichosos, estão sempre a queixar-se, não querem fazer nada, tudo é muito trabalho para eles e tudo é uma chatice, mesmo quando a matéria é banda desenhada (em Língua Portuguesa).

Lá consegui fazer, com o 7º ano, um jornal de turma muito simples. A ideia de início entusiasmou-os; mas depois já não querem, depois amuam, depois batem-se, depois refilam porque o colega é que está no computador, etc. Não conhecem o respeito pelos outros.

São os filhos da abundância, do mimo, das famílias ausentes ou sem referentes. Têm tudo: basta ver pelos telemóveis. Não querem nada, nem sequer sonham com uma qualquer profissão. Mas o seu mundo de fantasias é povoado de violências assustadoras.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

De Maquiavel a Kafka (2)



Antes da nova lei 3/2008, os alunos com Necessidades Educativas Especiais tinham direito a apoio dos serviços de psicologia e os que tinham dificuldades de aprendizagem tinham apoios educativos ou tutorias dados por professores com horas a isso destinadas.

Agora, as condições para obtenção de apoios de psicologia estão muito mais limitadas; e os apoios normais devem ser dados pelo próprio professor do aluno, e "de preferência dentro da sala de aula". Ora, se já é difícil fazer pedagogia diferenciada (nos tempos actuais mais do que nunca), pode bem perceber-se a impossibilidade que é dar apoio individual dentro das aulas colectivas.

E sendo o próprio professor o único incumbido de remediar os males, lacunas, atrasos e dificuldades de todo o tipo (que são muitas) dos seus alunos (que são muitos), nenhum professor deseja sobrecarregar-se de horas extraordinárias... para se tornar vítima do seu próprio zelo.

No entanto, a lei actual determina que os alunos com dificuldades detectadas sejam sujeitos a Planos individuais de Acompanhamento ou de Recuperação. Mas, afinal eles são todos tão fracos que seria impraticável apoiá-los a todos. Então o que podem os professores fazer?

Se realmente eles têm dificuldade, faz-se como a lei obriga: apoia-se mesmo dentro da aula. Portanto, baixa-se o nível. E se os alunos foram apoiados, então, devem passar, porque evoluíram o mais que podiam. Se o professor não declarou que um aluno precisava de apoio, então não pode retê-lo (chumbá-lo). Assim no fim do ano passam todos.

Os que são bons alunos, os coitados, também deveriam ter apoios educativos para compensar o baixo nível de exigência e desenvolvimento cognitivo que é pedido à maioria. A falácia da pedagogia diferenciada e a hipocrisia dos apoios educativos serve, afinal, apenas para promover a passagem automática. E tudo isto resulta na nulidade do valor do ensino.

Mas, como já várias vozes vêm dizendo, pretende-se muito mais do que boas estatísticas. Pretende-se minar o ensino público, para abrir ao privado as auto-estradas da educação.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

De Maquiavel a Kafka (1)



Hoje, graças à benfazeja greve da função pública, que mobilizou todos os funcionários auxiliares e administrativos e impediu que houvesse aulas, pude estar 9 horas seguidas na escola a adiantar o trabalho atrasado. Eu e uma quantidade de professores, mais precisamente os directores de turma, cuja carga de tarefas excede largamente as duas horas semanais que estão reservadas para esta função. «Precisávamos pelo menos de 10 horas por semana», diz-me uma colega.

Nesta fase do ano escolar - pelo mero efeito de acumulação das faltas de dois meses, mas também pelo absentismo crescente dos alunos e pelo agravamento da indisciplina - a quantidade de faltas que cada DT tem que recolher do livro de ponto e registar no sistema informático é de dezenas por dia. Em consequência, os alunos atingem os limites legais de faltas e, nas últimas semanas, os DT não páram de mandar cartas ou telefonar aos pais e EE -"pelo meio mais expedito", diz a lei 3/2008 - para os fazer vir à escola tomar conhecimento da situação do seu educando. Quando eles não respondem ou não vêm, o DT deve sinalizar a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, o que acaba por ser o argumento final para os fazer vir à escola e prometerem que vão falar com os filhos e que eles não faltam mais, etc., etc.

Pobres pais. É que os filhos são indomáveis e continuam a portar-se mal: ou faltam ou levam faltas disciplinares. Chegámos então à semana em que começa a cair o prazo para os primeiros alunos que serão obrigados a fazer a Prova de Recuperação. Nos livros de ponto inseriu-se mais um anexo, onde o DT assinala a data em que o aluno excedeu o limite de faltas injustificas (3 vezes os tempos lectivos de cada disciplina) e os professores de cada disciplina têm 10 dias para marcar a data prova de recuperação desse aluno, após o que o aluno tem 10 dias para estudar a matéria a que não assistiu. Isto começa a acontecer, neste momento, nas disciplinas com menor carga horária, como História ou Educação Visual.

O pior é que, como os miúdos não vêm às aulas, não é possível avisar os EE simplesmente através da caderneta. Então o professor comunica a situação ao DT e este envia um aviso - por carta registada - ao EE. Mas isto não é um ou dois casos por turma. É um ou dois casos por dia, sucessivamente. O DT não pára de fazer papelada, registos, envios, telefonemas, contactos, etc. Estão agora a perceber por que se queixam os professores de burocracia? Era precisa uma pessoa a tempo inteiro para dar conta, digamos, de 3 turmas problemáticas.

Esta foi a parte kafkiana. Passemos agora ao maquiavelismo.

A história continua assim: o aluno foi avisado e a prova marcada. Se ele comparece e é aprovado, todas as anteriores faltas são consideradas justificadas. O contador volta a zeros. E ele aprende que pode continuar a faltar e que lhe basta fazer uma prova de vez em quando. O DT continuará a assinalar as faltas e a comunicá-las ao EE. Quando atingir de novo o limite de faltas, voltamos ao princípio da história: novas provas de recuperação. E os professores continuam a marcar, fazer, dar e avaliar provas destas aos piores alunos.

O sistema funciona na perfeição. Impede-se assim que o aluno - mesmo penalizado - saia do sistema. Todas as suas tentativas de abandono escolar sairão fracassadas. A prova de recuperação não passa afinal de uma impostura burocrática para impedir que os alunos chumbem.

Mas se o aluno reprova na prova, o Conselho de Turma deve reunir-se e decidir o que fazer com aquele caso. O CT decide então que o aluno tenha um Plano de Acompanhamento Especial e repita a prova ou que seja retido no final do ano (ou excluído no caso se já não se encontrar fora da idade da escolaridade obrigatória). Digamos que o professor de cada disciplina pondera a situação e considera que mais vale passar o aluno do que obrigar uma dúzia de colegas a reunir-se fora das horas de trabalho para decidir do promissor futuro destes jovens.

Uma professora disse-me ontem: «Aviso-te que só faço esta primeira prova. E vou deixar de marcar faltas de atraso». Assim, os alunos começarão a chegar cada vez mais atrasados. Outros professores evitarão as faltas disciplinares. Pois a única hipótese que têm os professores - para escapar ao vício destes procedimentos - é evitar que os alunos tenham demasiadas faltas, ou protelar a inevitabilidade desse momento e depois dar-lhes uma prova "para passar". Na melhor das hipóteses, o aluno falta à prova e automaticamente ficará retido no final do ano.

Entretanto gasta-se tempo a tratar destes cancros, em vez de nos dedicarmos aos que querem aprender. A indisciplina na aula alastra com a impunidade das sanções (a começar pela marcação de falta) e ensinar torna-se muito difícil, senão impossível.

Ontem - na aula de Formação Cívica, onde se tratavam os "direitos dos alunos" - avisei a minha turma de 7º ano: «Digam aos vossos pais que vocês não estão a ter direito a uma educação de qualidade, e digam-lhes que se reúnam para discutirem por que é que a indisciplina de uns impede o direito à educação de outros». Acho que perceberam mais ou menos.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Ministra mente



Quem ouviu hoje a entrevista da ministra (na RTP1) pôde bem avaliar a sua tenacidade, a sua demagogia de sucesso, a capacidade para dar a volta aos argumentos. Mas há mentiras subtis que só servem - mais uma vez e sempre - para fazer dos professores autênticos bodes expiatórios. Há coisas mínimas que qualquer cérebro regista definitivamente.

Qual foi essa mentira? Só quem é professor a sabe. A ministra disse que até agora qualquer pessoa entrava na carreira de professor sem passar por nenhuma avaliação. Disse-o, com estas ou outras palavras, na entrevista que pode ser revista aqui. Falso. É absolutamente falso.

Para se ser professor sempre foi preciso fazer estágio e ser avaliado, inclusive com aulas assistidas. Hoje todos os professores são profissionalizados. Talvez há 20 anos ainda não o fossem, pois havia carência deles. Hoje muitos profissionalizados estão desempregados. Todos entraram na carreira depois de avaliados em funções pedagógicas.

Apesar de todas as outras "inverdades" que a ministra proferiu, nunca ouvi mentira mais demagógica e injusta. E até a deputada do Bloco de Esquerda, com a intenção de rebater os clichés, os reforçou - quando disse que é errado pensar que os professores não fazem nada. Mas não é errado, é falso. E é improdutivo repeti-lo, porque o que fica na ideia das pessoas é apenas uma atenuante da ideia central que permanece: a de que os professores não fazem nada...

É por estas e por outras que os alunos já não acreditam em nós e nos tratam abaixo de cão. Aguentamos com as culpas de toda a sociedade e somos os bombos da festa dos filhos de todas as "famílias" deste país. Triste vida.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Os suplentes



Ontem contaram-me o caso de um professor de filosofia da escola, que entretanto já se reformou. Recusou-se sempre a dar as aulas de substituição, fazia questão de não ceder. Percebe-se porquê: isso afectava a sua dignidade de professor. Para quem toda a vida preparou as aulas para ensinar com objectivos, fazer uma substituição de improviso e sem conhecer os alunos é exactamente a negação da sua profissão; o opróbrio da sua função pública. Por essa razão teve problemas e ficou mal visto no final de longa carreira.

Agora, passados apenas 3 anos, estamos a colher os frutos de se ter confundido o professor que ensina com o animador que entretem e, sobretudo, que impede os alunos de sair da sala de aula. Mas agora quem está preso na jaula são os professores. Ainda ontem, um professor "novato", isto é, recém-regressado à escola, estava irritadíssimo, porque mandou sair um aluno e ele se recusou. Os que lá estão há mais tempo já se habituaram e baixaram os braços; já desistiram de ensinar. Tal e qual.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Os ovos


Afinal - com a benesse dos ovos partidos - talvez a ministra tenha começado a perceber o que a espera da parte dos seus queridos alunos - e o que se passa no ambiente tumultuoso das escolas. A sublevação dos ovos é só um epifenómeno da indisciplina que acontece em muitas escolas. Sintoma da doença de falta de autoridade que afecta a geração mais nova. Na minha escola, ainda ontem, mais uma professora - em aula de substituição - foi mandada "para o caralho" por um aluno do 6º ano. A ira de uns e de outros é perfeitamente equivalente e descontrolada.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Redacção

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O mote era «as profissões que gostaria de ter». Mas grande parte dos alunos do 7º ano nunca tinha pensado nisso... A alguns sugeri então que escrevessem sobre as profissões que não gostariam de ter.

«Não gostaria de ser professora, empregada de mesa, varredora de rua, empregada doméstica e etc. Porque ser professora é muito difícil, como empregada de mesa tenho que fazer tudo o que me mandam, isso não, como varredora de rua tenho salário muito baixo e tenho que varrer, muito complicado, como empregada tenho que limpar a casa, cozinhar e cumprir regras. Essas profissões são muito complicadas para mim.»

*Foto do blogue Lisboa SOS

domingo, 16 de novembro de 2008

Basta!

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A manifestação de 10000 professores ontem cumpriu os objectivos de "demonstrar à ministra que os professores estão dispostos a lutar até ao fim" e aos encarregados de educação que "a razão está do lado dos professores". in http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1350125
*Foto do blogue Fliscorno.

Aplicação obrigatória da curva de Gauss


«Nas avaliações do 1º período, vou seguir o exemplo da Ministra (...) da educação,vou estabelecer quotas nas notas já do primeiro período. Assim: 5% para o Excelente e 10% para o Satisfaz Bastante. Se no resto da turma tiver mais alunos com avaliações destes níveis, paciência, ficam com Satisfaz. Assim promovo o mérito dos alunos. Se os pais se sentirem revoltados que se queixem à ministra. Se é bom estabelecer quotas para os professores, deve ser excelente para os alunos. »

Recebido por email. Texto de João Paulo Silva in Público online, sem data, que já circula nos blogues desde há dois anos.

sábado, 15 de novembro de 2008

40 horas (2)



Esta semana trabalhei 40 horas na escola.
Na semana passada, 40 horas no todo.
Continuo com tarefas burocráticas atrasadas 15 dias.
E não tenho tempo para preparar as aulas nem ver os trabalhos dos alunos.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A sublevação



Hoje de manhã quando cheguei à escola, estava uma carrinha de polícias espalhados pelo largo e um magote de alunos do lado de fora dos portões. Perguntei o que acontecia. É a greve dos alunos, respondeu-me um agente. Afinal, fiquei a saber mais tarde, a polícia apareceu porque havia um grupo de alunos preparados para atirar com pedras da calçada...

A greve foi convocada por sms, sem qualquer pré-aviso público na escola, pelo que nem sequer é válida. Na turma de 7º ano, faltaram 25%; na turma de 10º só não faltaram 30%. Em qualquer dos casos, estiveram excitadíssimos e difíceis de aturar. Talvez tenham ficado desiludidos que eu desse aula.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A ameaça



Hoje um aluno do 10º do curso profissional começou a fazer ruídos altos com o leitor de mp3; não sabendo bem de onde vinha o som, avisei duas ou três vezes para pararem; depois percebi de que aparelho vinham e aproximei-me do aluno, que entretanto colocara já os auriculares nas orelhas. Pedi-lhe o aparelho (que é proibido por lei). Ele tirou o auricular e disse que não dava; eu insisti: «Dá-me o aparelho». Negou-se. Avisei que se não me obedecia teria falta disciplinar. Negou de novo. Afastei-me e fui para a minha mesa anotar a falta. Ele comenta, a meia voz, do seu lugar: «Não me chateies». Pergunto o que é que ele disse e ele repete a resposta alto. Respondo: “Não falas assim comigo. Não vais ter só FD, vais ter pior”. «Não estou para te aturar», responde. «Não se tratam os professores por tu. Vais ter repreensão registada». Levanta-se irritado e vai a sair da sala, quando profere ainda seguinte ameaça: «Vais ver o que te acontece».

Depois desta ameaça, espero que tenha um processo disciplinar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A bizarria



Na origem da confusão sobre a função docente - e sobre isso os professores são unânimes - está a idiotice das «áreas curriculares não disciplinares» (6 horas semanais no 3º ciclo).

A Área de Projecto - destinada a trabalho de grupo sobre temas de interesse dos alunos - é contraproducente; pretendendo promover a autonomia, a cooperação e a responsabilização dos alunos, faz exactamente o contrário; não se pode andar a fazer pesquisa só pela pesquisa; o trabalho de grupo é útil, mas aplicada dentro das disciplinas com objectivos de aprendizagem definidos.

O Estudo Acompanhado, tornado tempo curricular obrigatória para todos os alunos, impede o cumprimento dos seus objectivos específicos que são, segundo o despacho nº 19308/2008 que regulamenta o dec.-lei 6/2001:

«5 - O tempo atribuído ao Estudo Acompanhado deve ser utilizado parcialmente pelas escolas para apoio aos projectos em curso, designadamente:
a) Desenvolvimento do Plano de Matemática;
b) Apoio aos alunos com Português Língua não materna;
c) Realização de actividades no âmbito dos planos de recuperação e de acompanhamento dos alunos;
d) Programas definidos a nível de escola.
7 – Tendo em conta a diversidade de experiências vividas nas escolas e atendendo à sua importância para a promoção da melhoria das aprendizagens, a área de estudo acompanhado pode integrar, entre outras, as seguintes modalidades:
a) Desenvolvimento de planos individuais de trabalho e estratégias de pedagogia diferenciada de modo a estimular alunos com diferentes capacidades;
b) Programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento do aluno;
c) Actividades de compensação e de recuperação;
d) Actividades de ensino específico da língua portuguesa para alunos oriundos de países estrangeiros.»

Obviamente, nada disto pode ser realizado numa aula com 24 ou mais alunos. Não é possível fazer a almejada "pedagogia diferenciada" no meio do caos. E depois não restam horas disponíveis para os planos de recuperação individuais.

A Formação Cívica é a única não-disciplina que define genericamente, para o 2º e 3º ciclos, alguns conteúdos. Mas não os distribui pelos 5 anos de escolaridade ou por níveis de progressão. Resultado: repetem-se os conteúdos, que são dados aleatoriamente, como quem baralha e volta a dar as mesmas cartas. Assim se descredibiliza a necessidade e pertinência dessas aprendizagens.

Para cúmulo de tudo isto, as aulas de substituição são a causa mais directa do desrespeito dos alunos pela autoridade científica dos professores.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A guerra (2)



«Estamos em guerra». Esta expressão já a ouvi recentemente a alguns professores. Não estamos em guerra só com a Ministra e o seu espírito persecutório. Estamos em guerra todos os dias dentro da escola. Todos os professores o sentem, mas a situação agrava-se. O número de participações e processos disciplinares em poucas semanas de aulas raia a loucura.

Hoje estive num forum sobre indisciplina na minha escola. Os professores presentes discutiram e propuseram medidas imediatas:

- os conflitos disciplinares devem ser tratados FORA da sala de aula, pelo recurso aos instrumentos e sanções legais (ao contrário daquilo que tem sido uma instrução recorrente: a de resolver os conflitos dentro da sala de aula);

- pois os conflitos mantidos dentro da sala de aula impedem a aprendizagem dos outros alunos; o ensino degrada-se a olhos vistos e os que querem aprender não conseguem;

- os professores devem actuar concertadamente (mas só quando os problemas se avolumaram até ao ponto de ruptura, se começou a debater o problema);

- é preciso que as medidas correctivas e sancionatórias sejam eficazes e aplicadas imediata e coerentemente;

- é preciso participar e aplicar a "repreensão registada" sempre que haja comportamentos agressivos (a repreensão registada fica no processo do aluno e é agravante para os comportamentos sequentes);

- o desrespeito ou desobediência aos professores deve ser imediatamente sancionado (ainda ontem, num conselho de turma, houve quem dissesse que não mandava os alunos sair da aula, porque eles depois se recusam a sair);

- os pais devem ser mobilizados e responsabilizados para resolver os problemas com os seus filhos;

- será preciso criar turmas de nível, para que a maior parte dos alunos possam ter uma escolaridade normal e eficaz; só assim a escola pública voltará a ter a qualidade e a credibilidade que antes tinha.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Diálogo



«- Boa tarde, aqui fala a DT da sua filha, como está? Ligo-lhe porque a sua filha está a faltar muito às aulas, e esta semana mandei-lhe outra carta, mas achei melhor avisá-la já... E tenho recebido muitas participações dos professores...
- Pois, já sei o que se passou com a professora de matemática e vou averiguar...
- Eu não sei o que se passou...
- A professora chegou atrasada e ainda por cima mandou a minha filha embora antes sequer da aula começar, marcou-lhe falta disciplinar.
- Assiste-lhe esse direito, o professor pode marcar falta se o aluno está a perturbar.
- Mas a minha filha não foi a única a atirar-se para o chão, todos se atiraram. Ela é que não sabe controlar à aula.
- Pois, não sei o que aconteceu, terei que falar com a professora, mas não tenho aqui nenhuma falta disciplinar marcada.
- É que ela chega tarde e estão os alunos à espera...
- Os professores podem atrasar-se e os alunos esperam. Os professores estão com muito trabalho e às vezes não conseguem chegar a tempo à aula.
- Mas mandou-a para o PME e escreveu no papel que era porque lhe apetecia. Eu vou averiguar isso.
- Sabe que o professor não precisa de justificar por que manda o aluno para o PME, justifica apenas mais tarde, senão perdia muito tempo da aula.
- Já vi que está a querer confrontar-me.
- Não, não, eu estou preocupada com a sua filha e é por isso que lhe telefono.
- Pois, já vi que não é à toa que dizem que os professores agridem os alunos.
- Bom, nesta escola parece-me que é mais o contrário.
- Eu vou averiguar isto e vou directamente ao Conselho.
- Acho muito bem, pode ir onde quiser, mas eu estou cá para a ajudar. Falarei com a professora.
- Eu acredito na minha filha.
- Claro, mas é preciso ouvir a versão da professora para saber o que aconteceu.
- A minha filha não mente.
- Bem, então nesse caso, será que ela lhe contou que faltou a 14 aulas na semana passada?
- Omitiu, só.
- Então, pergunte-lhe hoje a quantas aulas faltou, para ver se ela lhe diz a verdade.
- Eu sei que a minha filha não é santa...
- Pois não, mas sabe onde é que ela vai quando falta? Eu não sei, mas para algum sítio vai. E tenho-a visto às vezes com algumas más companhias...
- Pois, sim, na sexta-feira vou falar consigo, obrigada.»

Amanhã verei como se comporta a menina...

sábado, 8 de novembro de 2008

Vivam os professores, morra a ministra, pum



8 de Novembro, 120 mil professores em Lisboa.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A tenda do sexo



«Ó Setora, vamos à tenda do sexo!». A tenda estava instalada no jardim. Uma colega apressada passa por mim e sugere que leve a minha turma, pois sim, marquei logo uma hora para daí a dois dias. «Agora tenho que ir, desculpa, estou com pressa, tenho que tratar de uma aluna de 12 anos grávida...»

E lá os levei à tenda, onde, em 20 minutos de jogos dinâmicos e concursos de respostas, 6 monitores conseguiram passar a 24 miúdos várias mensagem fundamentais: onde fica, qual o horário, e tudo o mais sobre a Unidade de Saúde W Jovem da Santa Casa da Misericórdia. Muito eficaz. Das 8 às 20 horas. Dos 12 anos aos 24 anos: enfermagem, consultas ginecológicas, psicologia, etc.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A depressão



Aos poucos tenho vindo a perceber algo que me pasmava desde início do ano: os meus colegas tão calmos e eu sempre a passar o limiar da irritação, quando não do desespero. Enfim, pela primeira vez na vida, decidi tomar um ansiolítico antes de ir para a escola. Foi bom, agora já não perco a têmpera. Mas a inutilidade de tanto esforço deprime inevitavelmente. Estou a considerar tomar o antidepressivo que a médica me receitou. Tenho falado com muitos colegas, todos eles andam a comprimidos (todos andam deprimidos). Mas receio, então, ficar tão imune aos problemas que deixe de os saber confrontar. Um pouco de indignação seria necessária, penso, mas percebo que os professores chegaram já ao ponto em que nada mais suportam. Diz-me uma colega experiente: «És tu ou eles. Tens que sobreviver». E os problemas continuam, mas quem os resolverá?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Os ineducáveis



A sala dos DT é um sítio de conversas telefónicas (aos EE) interceptadas involuntariamente, além de desabafos e novidades. Soube que um miúdo do 7º ano mandou uma professora a qualquer coisa com a letra p... A directora de turma estava de cabelos em pé e contava: «Perguntei à colega o que é que ela tinha feito, e ela diz-me que esteve a conversar com eles, se eles achavam que isso era boa educação, mas eles começaram logo a acusá-la de estar a dizer que os pais não os educavam bem...» «Deve andar cheia de valiums», concluiu.

Dantes dizia-se que o bom professor era missionário, o que era um exagero; um bom professor só tem que se esforçar até onde pode. Hoje, educar parece ser uma missão impossível.

P.S. Suspensão de cinco dias decidida, mas como não foi imediatamente aplicada, já mandou outra professora à mesma letra...

terça-feira, 4 de novembro de 2008

40 horas



Diz a imprensa: Muitos professores trabalham mais de 40 horas semanais. A semana passada também trabalhei 40 horas, 33 na escola, o restante em casa.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

As criaturas


No conselho de turma do 7º ano, o delegado de turma apresentou algumas queixas em relação aos professores: uma delas é que uma professora os "insultava" de "criaturas" ao mesmo tempo que os chamava de "queridos" e isso - reclamava uma menina na Assembleia de Turma que precedeu a reunião - isso ela "não admitia". Sorri. Tinha imensa graça. Lá lhes expliquei que criaturas não é um insulto, chega a ser uma palavra carinhosa, e que dantes se ouvia dizer na expressão mais completa "criaturas de Deus". O que me espanta é o fosso cultural, linguístico, relacional entre - apenas - uma geração de diferença. É como se estes miúdos, possivelmente educados pela televisão, pela playstation e pela creche, tivessem sido deserdados de toda a memória familiar. E para nós, professores, começam a tornar-se verdadeiros aliens.