sexta-feira, 27 de março de 2009

A mãe


Acompanhada pelo Director de Turma, recebi a mãe do rapaz do 10º que tantos problemas me tem dado. Há dois meses que pedia que fosse convocada à escola, mas só agora ela aceitou vir - para falar comigo. Depois de uma breve apresentação no tempo de um aperto de mão, sentámo-nos e expliquei à mãe os problemas de comportamento do filho que têm vindo a prejudicar o seu aproveitamento, pois, além de ser insolente, também se recusa a trazer material e a acompanhar as actividades da aula.

Então a mãe começa a contar-me o percurso escolar do filho desde o 1º ano (!) e um longo quarto de hora depois chega ao seu objectivo: diz-me que o filho só tem problemas comigo. Pergunto ao DT se assim é, ele confirma, e no entanto eu sei, por conversas com outras colegas, que também com elas é insuportável. Explico à mãe que não posso admitir que os alunos sejam malcriados ou que perturbem a aula e prejudiquem os colegas. 
Ela insiste: - O meu filho há-de ter outras professoras de português... mas só consigo é que ele tem problemas». 
Atalho logo: - Mas só com o seu filho é que eu tenho problemas. Conto-lhe dois episódios de indisciplina, mas ela parece não se interessar.

Tenta dizer-me de forma muito indirecta que eu preciso de compreender o filho e que devia dar-lhe atenção... Respondo-lhe que tenho a maior boa vontade e compreensão para todos os alunos, mas que são muitos. E acrescento que ela como mãe estará mais próxima do filho para o ajudar a a modificar a atitude. Mas ela responde que o problema é entre mim e ele e que deveríamos falar os dois para resolvermos a questão: 
- Já falou com ele?
- Não falei, porque não surgiu a ocasião; mas ele também não veio falar comigo, nem sequer para pedir desculpa. 
- Acha que ele devia pedir-lhe desculpa? - diz ela, quase irónica. 
- Claro.

Depois de mais longos minutos de considerações vagas, eu peço à mãe que nos foquemos numa solução prática para o problema. 
- Então vou ser mais directa: o que é que o meu filho tem que fazer para estar na sua aula?
- Olhe, não pode ser insolente, não pode ser malcriado e não pode bater com a porta quando sai.
- Então ele tem que estar calado e não abrir a boca, é isso?
- Não! Nem oito nem oitenta. O seu filho deve participar e falar como os outros.
- Mas o que é que ele tem que fazer então?
- Olhe, pode fazer tudo, menos perturbar a aula, interromper quando apetece, falar alto...
- O que eu disse ao meu filho foi: entra mudo e sai calado.
- Mas fez mal em dizer isso, porque desde então ele se recusa a fazer o que quer que seja na aula, e é por isso que não acompanha a matéria e teve negativas.
- Não me diga como é que eu devo ser mãe, que eu também não estou a dizer-lhe como é que deve ser professora!

A partir daqui o diálogo azedou, a minha impaciência estalou e acabámos o encontro de uma hora (!) com um grande mal-estar, apesar dos meus pedidos de desculpa por «não ter corrido bem a conversa»... Mais uma noite de insónia.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Resistência


Quando eu pensava que tinha já ganho resistência às contrariedades, à frustação e aos conflitos, de novo perco a noite em insónias por causa de uma menina que a mãe retirou à escola e de outro menino que se queixa de os pais lhe baterem com o cinto. E entre as desculpas de uma e as denúncias de outro, as evasivas das mães e a sinalização à CPCJ, navegam inúmeros episódios que procuram organizar-se na minha cabeça.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Se eu fosse professora...



Esta menina é a recordista da turma das "ordens de saída da sala de aula". Dada a sua irrequietude, quase todos os dias vai parar ao PME (Projecto Medidas Educativas) onde é recebida por um professor, que neste caso lhe pediu este depoimento...

terça-feira, 24 de março de 2009

Rotina (3)



Ao fim de seis meses de estratégias dissuasoras, persuasoras, explicativas, apelativas, sancionatórias, exaltadas, subtis e outros diversos reforços positivos e negativos, os alunos do 7º ano continuam a não saber estar calados e a não pôr o braço no ar para pedir a palavra. As aulas são a habitual praça pública, onde ninguém se cala e tudo pode acontecer. Raramente consigo terminar uma frase sem ser interrompida - e note-se que uso frases curtas. Mesmo que estejam calados, os miúdos não ouvem, porque estão distraídos. O que eu digo ou faço, ou peço ou mando, tem para eles valor nenhum.

Hoje acabei a aula com um sermão (que eles detestam ouvir): "Está à vista que a maior parte da turma não sabe ler bem; mas estão aqui para aprender e para não serem analfabetos; porque o pior que há é ser ignorante e ser enganado pelos outros; quem não sabe ler, assina sem perceber e é facilmente enganado"...

Diz-me uma professora que no 7º ano é mesmo assim, e que só no 8º ano é que eles acalmam e entendem as regras básicas de uma aula. Eu pergunto-lhe por que é que não aprenderam isso antes. Encolhe os ombros.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Cultura material



Numa aula de 10º ano, os alunos perguntam-me o que é uma "saia de pregas"; como a explicação verbal não parece suficiente, uso o meu casaco para demonstrar como se fazem as dobras do pano. 

No bar, uma menina de 11 anos compra uma sandes e pede uma folha para a embrulhar: "não sei como é que se embrulha", comenta para a amiga que a ignora; faz uma tentativa sobrepondo as pontas da folha, mas não resulta; repete o ensaio mas hesita em fazer as dobras nos outros lados; dobra para cima e para baixo e depois decide-se a enrolar os lados do papel, que logo desenrolam, mas ela pega o embrulho e dá-se por satisfeita.

Na aula de apoio, digo a um rapaz de 12 anos que faça o exercício a lápis: "não tenho, partiu-se"; "então afia-o outra vez", digo, mas ele: "já deitei fora". Mando-o ir buscar o lápis ao caixote; tira um pedaço; insisto para trazer o resto do lápis, que vem partido em três; explico-lhe: "agora não tens um só lápis, tens 6...", "não! só três"; "pois, mas podes afiá-lo em seis pontas". No fim da aula, leva um pedaço e deixa em cima da mesa os outros dois terços do lápis, que eu previdente embolso.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Rotina (2)



Como não consigo motivar os que estão em "recuperação", bom, decidi puxar pelos que estão capazes de evoluir. Aproveitei a frescura da aula da manhã, com o 7º ano, para dar gramática da dura: pronomes com função de complementos directo e indirecto: -o, -no, -la, -lhes, -lho; mas os miúdos parece que nunca tal viram escrito. E o permanente jogo de tensão para manter o ruído controlável torna tudo muito difícil. A seguir, a aula de Estudo Acompanhado com a mesma turma decorre já no perfeito caos sonoro. O desânimo deve notar-se na minha cara inexpressiva, igual à que observo em colegas minhas.

Cruzo-me com a professora de matemática, que se queixa de que "eles" hoje estavam insuportáveis e que teve de marcar faltas disciplinares. Trocamos palavras simétricas de desistência: "Já não sei que mais fazer", digo-lhe. "Mais do que tens feito é difícil", responde-me. E sinto-me um pouco mais consolada.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Rotina



No 10º ano, 20% de positivas apenas. Nem percebo como, mas sei porquê: os alunos não levam livro, não tiram apontamentos, não ouvem o que eu digo, não fazem os trabalhos de casa e, na aula, recusam-se a colaborar; portanto, não é de estranhar. 

Logo no início da aula o chato de serviço começa a implicar, com agressividade. Digo-lhe que está ser malcriado; ri-se e vira a cabeça quando lhe explico o que perguntou. É difícil descrever a sua atitude, inqualificável mesmo. "Chega", digo, "sais da aula neste momento". Ainda resiste, tenho que repetir a ordem. Ao sair, fecha a porta com força. Além da falta disciplinar, terá uma "repreensão registada" no processo individual. Fico irritada e solto diante dos colegas: "estúpido". Perdi a boa vontade. Peço aos alunos que esperem um pouco que eu vou lá fora acalmar-me.

Volto 5 minutos depois. A aula prossegue. Um dos alunos faz-se muito desiludido por eu descontar os erros. É que deu 26 erros, apenas "por distracção"... Digo-lhe que não se podem distrair num teste; como não podem em matemática trocar um algarismo por outro. Insiste e pede que eu desconte menos por cada erro. Digo-lhe que não se distraia nos testes. Não sei para que lhes serve tanta reivindicação inútil.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Trivialidades (3)



Será possivelmente do calor veranil da última semana: o ambiente da escola parece mais calmo.

terça-feira, 17 de março de 2009

Trivialidades (2)



Apesar de ter visto e revisto a conjugação verbal (só no modo indicativo), ao fazer a preparação para o teste, constato de novo que muitos alunos do 7º ano não conseguem distinguir um tempo passado de um futuro. Eu ajudo: «"comeu"aconteceu ontem, é passado; "comerá" é amanhã, é futuro». Mas não entendem, nem eu entendo por que não entendem.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Trivialidades (1)



Hoje encontrei um miúdo do 5º ano a tirar o pipo a um automóvel de professor. Peguei-o pelo braço e levei-o ao Conselho Executivo. Ele veio sem resistência e lamuriando-se: «Deixe-me ir embora, não volto a fazer, por favor...» Não lhe respondi sequer, mas como ele insistia, expliquei: «O que estavas a fazer é muito grave. Já viste o que isso pode prejudicar o dono do carro?» Ele inventava outras saídas: «Não fui eu, é outro rapaz que anda a fazer isso...»

sexta-feira, 13 de março de 2009

Instantâneos (2)



Quando ser fotografado não punha problemas a ninguém: painel escolar de 2004.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Instantâneo


Fui para a sala antes de tocar, para preparar a entrada organizada dos alunos. O buraco na porta estava a pedir uma foto a que não resisti. Preparei a máquina, apontei ao buraco, foquei e eis que surge o intruso, tão surpreeendido como eu: disparei.

Espero não vir a ter problemas por mostrar uma cara fotografada. Hoje em dia, tudo é confuso. «Desde que, em 1999, apareceu o concurso Big Brother, as pessoas começaram a tomar consciência de que o real pode ser manipulado a desfavor dos seus actores. Depois veio o 11/9 e a paranóia da suspeita e da vigilância. O crescimento imparável de câmaras de vigilância, primeiro, e em seguida das câmaras de telemóveis, introduziu a noção desconfortável de que a imagem de cada um é passível de ser apropriada. Hoje, acho cada vez mais difícil filmar ou fotografar as pessoas. Todas se retraem ou reagem mal. As pessoas perderam a inocência. Inúmeras vezes dizem que não querem ser filmadas e eu deixei de me sentir confortável na pele de documentarista. Chega a apetecer às vezes filmar nas costas das pessoas um filme sobre as costas das pessoas» (escrito em 2005 no meu blogue Doc Log ).

quarta-feira, 11 de março de 2009

Apontamentos



1. O absurdo novo programa de Língua Portuguesa; alterado sem avaliação do anterior programa; com carga pesada de conteúdos linguísticos; desajustado do nível real dos alunos.

2. Área de Projecto: cancelei os trabalhos de grupo, desde o primeiro período, porque os grupos só sabem barafustar; cancelei as idas ao CRE, porque os miúdos só brincam. O método: trabalho individual de pesquisa; trabalho de grupo só fora das aulas. Objecções dos alunos. Na aula: mini-pesquisa, para aplicação de regras de citação e referência. Literacia informática nula: não sabem reconhecer o URL nem a fonte de informação.

3. Conjugação verbal à moda antiga: cantar os tempos verbais, um por um; ordem arbitrária, maneira de controlar a dinâmica da aula. Falta de bases.

4. Cordão humano: cansaço; já não me sinto solidária.

5. Guerra de pedradas, formas de intimidação e métodos de gang; Assembleia de Turma: participação disciplinar em colectivo.

6. 10º ano. o mesmo do costume: eles chateiam, eu mando sair com FD; é um braço de ferro que os diverte e a mim já me deixa indiferente.

7. Sinalização à CPCJ: a mãe do aluno nunca veio à escola, depois de vários avisos postais; não atende o telefone. O CE telefona com número incógnito e ela atende; perante a ameaça de o processo passar para CPCJ, presta-se a vir à escola no mesmo dia.

8. Capitulei: desisti de lutar: já tudo me parece uma repetição. Não é possível fazer mais, nem mudar a realidade. Estou mais tranquila, parece que atingi o ponto de equilíbrio (que no início não entendia nos meus colegas).

9. Resultados dos testes: demasiados erros: até as cópias têm erros; ninguém se importa; "mas toda a gente dá erros", diz um miúdo; "eu não dou erros", respondo, nem as pessoas que tiraram a 4ª classe de antigamente (que sabem mais do que quem hoje tem o 9ºano); o aluno incrédulo: "a setora não dá erros? toda a gente dá erros!"; resposta reforçada: "eu não dou erros, posso às vezes enganar-me, mas depois corrijo"; "uma miúda: "a setora dá erros no quadro!"; responde outra miúda: "não é isso! pode não se perceber a letra, mas a setora não dá erros, percebes?"

sexta-feira, 6 de março de 2009

Parêntesis



Este blogue está temporariamente em depressão.

terça-feira, 3 de março de 2009

Sala de professores



Num intervalo, desabafa uma professora:
- Fui dar teste aos miúdos e não queriam ficar em carteiras separadas. Agora eles é que decidem onde ficam. Estavam lá atrás a carregar os telemóveis, não pude fazer nada...
Eu pergunto:
- Mas não lhes tiraste os telemóveis?
- Agora não se pode!
- Podes, sim, e devolvem-se no fim da aula.
- Eles não deixam. E ainda me disseram: "Vá para o ...alho". Isto é impossível.
- E o que fizeste? Não mandaste sair com falta disciplinar?
- Não. Para quê? Depois o Conselho Executivo diz que devia ter aplicado medidas correctivas antes.
- Mas assim eles vão repetir e fazer pior.
- Olha, quando chegarem ao 7º ano, vocês ensinam-nos.
- Aí já é tarde.
- Pois, mas sabes, é que um dos parâmetros da avaliação é os problemas disciplinares que temos. Estás a ver, para mim é mais importante subir de escalão, já estou parada neste há 8 anos. Não julgues que os professores do 5º escalão são tratados aqui de maneira igual aos do 10º.

Fiquei sem palavras, estarrecida.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Senso comum



Vontade. Não é possível ensinar quem não quer aprender. A bondade do sistema de ensino básico "obrigatório" pressupõe que os alunos desejam aprender; e se isso já foi assim, em tempos recentes, hoje tal não acontece. Para aprender é preciso motivação; a motivação depende de dois factores: a) reconhecer o valor da escola; b) obter a recompensa do esforço.

Desmotivação. Se os alunos passam de ano automaticamente, mesmo sem se esforçarem ou sem saber, é evidente que, por experiência própria ou a exemplo dos colegas, no ano seguinte, farão o menos possível. Mas sem um pequeno esforço, nem que seja apenas a vontade, não pode haver aprendizagem. A desmotivação de uns serve de exemplo aos demais.

Heterogeneidade. A lei preconiza, tentando evitar discriminações, que uma turma escolar deva ser heterogénea; o que pode acontecer em vários aspectos: misturando sexos, idades, níveis económicos, origens sociais, credos, culturas e até alunos um pouco melhores e alunos menos bons. O que não pode é ser demasiado heterogénea a nível do grau de aprendizagem dos seus alunos. Mas o preceito da homogeneidade tem sido tomado em absoluto; assim existem grandes resistências à criação de turmas de nível, como se isso fosse criar um novo classismo.

Progressão. O conceito de turma ou classe implica uma necessária, embora relativa, homegeneidade a nível das aprendizagens, sem o que é impossível progredir. Se a maior parte da caravana puxa para a frente, os outros vêm arrastados; mas se a maior parte puxa para trás, ninguém consegue avançar. Assim, visto que o sistema actual de avaliação "preconiza" a progressão de todos os alunos, então será necessário que eles sejam escalonados - em turmas de nível - consoante as aprendizagens feitas, sob pena de ao ensino em colectivo se tornar impossível.

Descrédito. Se a escola e os professores não avaliam as aprendizagens - como lhes cabe - deixam de ser valorizados pela sociedade e perdem o crédito indispensável para serem referência e modelo. Quando os pais em casa dizem mal da escola, é certo e seguro que os filhos não conseguirão aprender; quando a ministra da Educação toma a mesma atitude, promove o descrédito da escola e a sua ruína, como se tem verificado nos últimos anos.