sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O 112



Para terminar a semana em glória, tive um aluno de 19 anos do curso profissional que resolveu implicar comigo e falar alto e interromper e mandar bocas sucessivamente. Depois que alguns avisos, disse-lhe que fosse lá para fora fazer o exercício para não incomodar a aula. Instado várias vezes e com bons modos, ele lá se decidiu a ir, sem deixar de continuar a falar alto e a dar show enquanto demoradamente arrumava as suas coisas. Obviamente, quando saiu, marquei-lhe falta disciplinar.

A seguir, houve outro aluno que amuou quando lhe perguntei onde estava a ficha distribuída e que ele metera no bolso de trás das calças, e a quem marquei falta de material por não ter papel nem caneta na aula. Amuou, logo saiu, logo teve falta de presença. Esse foi contar ao outro que eu lhe marcara FD. E pela janela vejo-os aproximarem-se a passo rápido.

A porta estava aberta e eu disse ao primeiro que não podia entrar. Começou aos gritos: que eu não podia mandá-lo embora, que não admitia isso, queria exigia uma explicação, etc. Respondi com calma, não dei explicações porque obviamente não tinha que dar. O aluno vociferava perto de mim, entrou - avançando sobre o espaço onde eu lhe barrava a entrada - e sentou-se. A atitude era intimidatória. Eu liguei para o 112, pedi a "Escola Segura" porque um aluno se recusava sair da aula. Depois pedi à delegada de turma para chamar a auxiliar a quem pedi para avisar o conselho executivo. E veio o Presidente do CE à sala. O aluno barafustou, contou os factos e as queixas, dizendo que eu fora injusta. Quando se calou, o Professor apenas respondeu: «A Senhora Professora deu-te uma ordem, tens que a cumprir. Se queres participar não é aqui que o fazes, falas com o teu director de turma». Fê-lo parecer mal de tal modo que, quando saiu da sala, já pedia desculpa aos colegas. Quando a aula acabou pouco depois, cá fora estava o Presidente a conversar com dois polícias.

O Professor disse-me que deveria primeiro tê-lo chamado a ele, não à polícia. Talvez, mas nunca tal me tinha acontecido (e por motivos irrisórios); uma pessoa assustada e com a cabeça quente não age muito racionalmente. A verdade, porém, é que se o Professor do CE tivesse chegado à aula e o aluno continuasse a recusar-se a sair, a sua desobediência não seria maior do que aquela que teve para comigo. E ele teria que chamar a polícia. Qualquer professor é um professor e a sua autoridade vale o mesmo que a dos colegas. A desobediência a um professor é uma falta grave. Se o aluno não acata a sua autoridade, é preciso chamar uma autoridade maior: as forças da ordem.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O respeitinho (2)



Às vezes custa a acreditar. Ainda há poucos anos, os professores e as professoras (a maioria feminina do corpo docente) eram vistos como pessoas amigas, conselheiras e sapientes, pelas quais havia um dado respeito, tácito e adquirido. Sempre fora assim. Hoje, os alunos vêem o professor como um inimigo, sistematicamente questionam o seu saber, as suas atitudes e indicações, e confrontam-no directamente. Não estou sequer a falar dos alunos crescidos, cujo discernimento poderia atingir os professores menos bons, que os há sempre (e todos os tivemos). Estou mesmo a falar daqueles seres inconscientes que do alto dos seus 12 ou 13 anos dizem diante dos professores aquilo que provavelmente ouvem dizer em casa.

Contava ontem uma professora já com longa carreira: «Hoje tive que dizer a um aluno o que nunca tinha dito antes: nós não somos iguais, eu sou professora, tu és aluno». No mesmo dia, tinha eu dito o mesmo à minha turma, quando se queixavam de que os professores podiam usar telemóvel na aula. E disse mais: «Vocês podem até não gostar de um professor, mas uma coisa é certa: da matéria que ele ensina, ele sabe muito e só ele pode ensinar, porque estudou e tirou um curso». Não sei se perceberam.

Quando é que isto começou? Ora, aí ninguém tem a menor dúvida. Foi quando a senhora ministra que nos governa denegriu, desautorizou e insultou a classe docente.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Mens sana in corpore sano



Em vez de 6 tempos lectivos semanais (6 x 45 minutos) de "áreas curriculares não disciplinares" (que são Área de Projecto, Estudo Acompanhado, Formação Cívica e Assembleia de Turma) cuja falta de programa definido apenas promove, como a fatalidade da sua designação indica, a não-disciplina - muito melhor seria que os miúdos do 3º ciclo tivessem todos os dias Educação Física, que é melhor forma de usar o excesso de energia, de promover o espírito de equipa, a cooperação, a responsabilidade, o cumprimento de regras, o respeito pelos outros, o conhecimento do corpo humano, além de contribuir para a saúde, combater a obesidade, a depressão juvenil, as revoltas gratuitas, etc. Actualmente, os alunos têm apenas 3 tempos de ginástica (1 x 90 min. + 1 x 45 min.). Se isso bastasse, não andavam nos corredores a correr e a bater-se, nem criariam tantos distúrbios dentro das aulas.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A sanha da organização



Dantes a burocracia de uma escola concentrava-se na secretaria, para além naturalmente dos cadernos diários dos alunos e dos apontamentos e exercícios elaborados pelos professores. Depois veio uma ministra que decidiu organizar a escola segundo um conjunto complexo de regras, obrigações, relatórios, estatísticas, etc. A mania da organização apoderou-se então do espírito de alguns professores sistemáticos que começaram a traduzir, em cada escola, a carga de instruções em tabelas, esquemas, normas e papeladas infindáveis, que - por força da sua existência - são impingidos aos professores intuitivos e se tornam norma interna.

Assim, na minha escola, aquilo que se designa por avaliação qualitativa foi literalmente transformado em quantidades. Por exemplo: na avaliação intercalar diagnóstica do 1º período, há 4 parâmetros de avaliação: a) conhecimentos e competências; b) participação na aula; c) atitudes e valores; e d) TPC. A cada um destes aspectos, cada professor atribui NS (não satisfaz), S (satisfaz) ou SB (satisfaz bem) para cada aluno. Depois, segundo uma tabela abstrusa com 81 arranjos possíveis, faz-se a média destas qualidades para atribuir uma qualidade global. Isto é a perversão total do que seja uma avaliação qualitativa. Mas dá jeito para fazer estatísticas.

O excesso de organização, trâmites e regras arbitrárias redunda em desorganização completa. Os professores são obrigados a navegar num mar de regras que conhecem mal e que perderam qualquer relação ao real: à escola e aos alunos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A medida correctiva



Depois da facada no ombro do colega, cujo autor foi imediatamente transferido de escola, a moda pegou e outro miúdo apareceu na aula ameaçando com uma faca de cozinha. Como "medida correctiva" foi obrigado a cumprir já não sei que tarefa social, tipo limpar o chão do pátio ou parecido. Então - provavelmente insatisfeito com os resultados da sua acção - o culpado obrigou um miúdo mais pequeno a fazer essa tarefa, sob ameaça de levar uma facada. Agora, sim, corre o processo disciplinar que, evidentemente, devia ter sido imediato.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Desobediência (2)



Já há escolas - e professores, individualmente - que começam a desobedecer ao absurdo modelo de avaliação imposto pelo ME:

«Na Escola Secundária Camilo Castelo Branco, Vila Real, 130 dos 160 professores decidiram mesmo suspender o processo de avaliação, não entregando os objectivos individuais.
Na moção aprovada, os professores daquele estabelecimento de ensino referem que os objectivos de todos os docentes estão definidos e passam, indiscutivelmente, pelo sucesso dos seus alunos, segundo a professora Delfina Rodrigues, em declarações à agência Lusa.»

in http://horariosescolares.blogs.sapo.pt/68847.html

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Desobediência (1)



Apesar do novo clima de controlo social, avaliativo e normativo que actualmente gere o trabalho na escola - segundo a lei, só o professor é responsável pelo seu próprio trabalho. Mas, este ano, os professores estão entalados entre a espada e a parede. Terão que responder perante os avaliadores e disso depende a sua progressão na carreira. Disso e dos trezentos itens quantificáveis com que vão avaliá-los. Porém, sendo o trabalho do professor autónomo e responsável, ele deve assumir os seus actos e fazer exactamente o que considera adequado aos seus fins pedagógicos. Um professor deve sempre agir segundo a sua consciência e necessidades. Quem sabe o que é preciso fazer é quem lá está (não é a Maria de Lurdes).

Assim, numa hora de substituição que tive, decidi levar os alunos para o recreio, para poderem correr, gritar, jogar à bola, conversar, etc. - actividades de desenvolvimento juvenil que considero fundamentais.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A substituição



A minha ausência teve resultados muito piores do que eu podia esperar. Para os alunos não ficarem muito prejudicados com as malfadadas aulas de substituição, achei por bem enviar um teste que já estava marcado para outro professor o dar aos alunos. Assim, pensei, eles vão perceber que isto é a sério, que mesmo quando não estou lá lhes mandei o trabalho para fazerem. Nada disso. O teste foi dado por uma professora que não conseguiu evitar problemas disciplinares. Em primeiro lugar, estava um aluno "infiltrado" na turma que começou a fazer parvoíces e palhaçadas; a aula de teste (que eu pensava ser uma aula solene) tornou-se uma grande confusão. A maior parte dos alunos nem se deu ao trabalho de responder à maior parte das perguntas. Resultado: 5 positivas.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A sanha da avaliação



Na escola de hoje, todos se avaliam. Os professores avaliam os alunos, os professores avaliam os outros professores, o Conselho Executivo avalia os avaliadores, e também os auxiliares são avaliados, mas não sei por quem. Para cada acto de avaliação é preciso preencher quadros, tabelas, páginas e relatórios com centenas de itens que irão fazer parte de um suposto quadro geral do funcionamento da educação. Tudo se quantifica - e em quantidade. Como as luminárias que inventaram este luminoso sistema não inventaram ainda o maravilhoso software que há-de validar e transformar em estatísticas todas esta quantificação, põem os professores a fazer de software humano; ou seja, cada um que organize os seus dados, conceba tabelas, copie, anote, introduza, substitua códigos, faça as contas, etc. Aquilo que um dia um computador há-de fazer está ser testado ainda no regime manual pelas cobaias-professores.

Com tudo isto, não sobra tempo para pensar em pedagogia. Os professores fazem parte de uma cadeia de montagem, a indústria da educação. Com tudo isto, as pessoas andam mal dispostas. E como a má-criação não faz parte dos critérios, é o que mais há de sobra.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Procedimentos da retenção



Verifica-se a existência de faltas. Informa-se o encarregado de educação. O aluno atinge o dobro dos tempos lectivos semanais. Convoca-se o encarregado de educação. O aluno continua a faltar. Sinaliza-se a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. O aluno não pode continuar a faltar. O aluno ultrapassa o limite de faltas. Realização de uma prova de recuperação. O aluno não comparece justificamente. Marcação de uma nova data de prova. O aluno não obtém aprovação na prova. Realização de uma nova prova. O aluno não comparece sem justificação. Retenção no final do ano lectivo.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Remorsos



Estou de baixa, estou em baixo, e ainda por cima (ou por baixo?) tenho remorsos de deixar os meus meninos à toa, sujeitos a 10 horas semanais de substituições. Com esta dose forte de caos metodológico, lá se afundam os meus planos de emergência e os esforços progressivos de lhes criar hábitos de trabalho. Se eles pudessem andar à solta no recreio, ficaria mais consolada.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Kit professor (2)


Ansiolítico.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Como nos filmes



Andar na escola é como viver num daqueles filmes americanos com muita acção, muitas peripécias, conflitos, alto stress. É bem certo que estes miúdos trazem consigo uma carga de violência antes inusual. Será que viram demasiados filmes americanos? Ou demasiados telejornais? Ou demasiados jogos vídeo?

A acrescentar ao factor dramático, há o esforço e o cansaço que se acumulam dia após dia. Realmente, a única maneira de encarar a coisa com bonomia é imaginar-se o professor um herói de filme. Ou imaginar que somos os imperfeitos protagonistas de um documentário como os de Frederick Wiseman - "High School" I e II (que passam no festival Doclisboa muito em breve) - ou como "La Loi du Collège" de Mariana Otero.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Escola segura



Outra medida que não está prevista na lei é a chamada para o 112. Mas que as há há. Os agentes da ordem comparecem com assiduidade.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A falta disciplinar ausente



Segundo a nova lei que estabelece o Estatuto do Aluno (lei 3/2008 de 18 de Janeiro), estão previstos dois tipos de medidas disciplinares:
1 - As chamadas «Medidas correctivas», que incluem: a) a ordem de saída da sala de aula; b) a realização de tarefas e actividades de integração escolar; c) o condicionamento no acesso a certos espaços escolares; d) a mudança de turma.
2 - As chamadas «Medidas disciplinares sancionatórias», que podem ser três: a) a repreensão registada, que ficará no processo do aluno; b) a suspensão da escola até 10 dias úteis; c) a transferência de escola.

A "ordem de saída" reenvia o aluno que está a incomodar para o PME para executar uma tarefa, mas pode não implicar falta. A marcação da falta «é da exclusiva competência do professor» (art. 26º, nº4). Pode então deduzir-se que esta falta será uma medida correctiva opcional. Na prática, esta falta é assinalada no livro de ponto como FD (falta disciplinar) e participada ao DT que a deve comunicar ao Encarregado de Educação.

Contudo, na lei, entre a ordem de saída e a medida sancionatória de repreensão registada, está ausente a fórmula da Falta Disciplinar que, no entanto, continua a ser uma medida sancionatória frequente e necessária. Porquê esta omissão? Por que se escondem as regras simples e fundamentais de disciplina nas entrelinhas da lei?

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Boas notícias



Entretanto, fiz uma sondagem na turma do 7º ano acerca da utilização de media. Os resultados mostram as dificuldades e as saídas.

Primeiro as más notícias: apenas cerca de 20% dos alunos lê livros "muito" ou "mais ou menos"; cerca de 30% lê "às vezes"; metade não lê ou "raramente" o faz. Lêem sobretudo revistas ou jornais, mas a média é baixa. Televisão vêem todos "muito".

Contudo, no que toca ao meio informático são muito proficientes, talvez porque cerca de 80% têm computador em casa. Entre 75 e 80 % sabe usar os programas Word, Power Point, Internet Explorer, além de jogos. 75% sabem usar a pen e 60% o mp3. 90% usa o Google, 65% o Messenger, 70% o Hi5 e jogos. Não há dúvida de que, para estes jovens, a literacia tem que começar - e passar - pelo computador.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Zero em comportamento



Não sabem estar quietos no lugar; não pedem para se levantar; interrompem permanentemente; falam vários ao mesmo tempo; não sabem escrever, não corrigem os trabalhos; não trazem material para a aula; ou não o tiram da mochila; arrastam as carteiras ruidosamente; deixam a sala desarrumada e suja; não sabem (ou não querem) executar tarefas simples de preenchimento de uma mera ficha de organização; não sabem trabalhar autonomamente; nem colaborar. Mas não são todos assim, são só demasiados para deixar que os outros possam aprender.

Como é que isto chegou aqui? Não sei bem. Acho que foi quando se instituíram as aulas de substituição e se prenderam os miúdos nas salas de aula sem propósito nem objectivo. Fazer uma ficha tornou-se um frete ou um castigo; e qualquer ficha se tornou sinónimo de amendoim para macacos. O professor que não ensina desce de nível, perde a autoridade científica, torna-se mais um auxiliar de educação, perde o respeito dos alunos. Depois a coisa propaga-se, generaliza-se, cresce, não tem limites. É uma bola de neve. Ninguém a consegue parar.

Pela mesma altura vieram as "áreas curriculares não disciplinares" - Área de Projecto, Estudo Acompanhado, Formação Cívica e ainda Assembleia de Turma (6 horas semanais no 3º ciclo) - onde não há programa organizado, não há conteúdos, há apenas os "objectivos gerais" de "desenvolver competências" de "autonomia, colaboração, responsabilidade, pesquisa e comunicação". Tudo isto - por muito boas intenções que tivesse - se tornou um pântano. A escola afunda-se neste pântano. Os professores perderam as ilusões: «É o fim da escola», dizia-me uma colega - e dizem todos.

Alguém ouvirá os professores? Não. Mas alguém melhor que os professores sabe o que fazer na escola? Ninguém. A verdade é que assim não funciona. Aliás, funciona muito pior do que dantes.

Temos que voltar ao grau zero do comportamento. E só quando se restabelecer o respeito pelos professores e a calma na sala de aula, conseguiremos ensinar alguém.

Mas como? Se os professores - nesta fase agudíssima de hecatombe da escola - se vêem coagidos por uma "avaliação de desempenho" que pretende fiscalizar a eito e por atacado o trabalho de todos num só ano? Então os professores deixam de marcar faltas disciplinares, para não confessarem a sua impotência, para não mancharem o seu currículo, para não comprometerem a sua progressão na carreira. Então, os professores passam todos os alunos, porque, se os não passarem, terão que lhes dar - a esses - aulas de apoio suplementar - mais do mesmo. E assim evitam inúteis justificações escritas e avaliações extraordinárias acerca das razões por que não passaram tal e tal aluno. O tempo em que era simples chumbar um aluno, porque ele faltava ou não fazia nada, acabou. Os alunos sabem isso e aproveitam-se. Não há qualquer sanção. São impunes.

Os professores, de missionários que eram, passaram a demissionários. Suportam tudo porque já não aguentam nada.

Professores, está na altura de passar à desobediência civil. Havemos de descobrir como.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

História digerida



Há 25 anos, quando comecei a dar aulas, fazia os alunos do 10º ano engolir Fernão Lopes quase sem dificuldades (apenas uns vocábulos arcaicos para esclarecer). Ainda usava (à imagem dos meus professores) o famigerado método expositivo e confiava na minha verve. A coisa até resultava. Nos testes corrigia o estilo e as ideias.

No ano seguinte ensinava, na escola da Pontinha, gramática generativa ao 9º ano (coisa que estava a moda, mas dava trabalho) e os alunos até compreendiam e passavam.

Depois comecei a aprender pedagogia e a perceber que os miúdos tinham que exercitar as suas competências. Inventava exercícios e passava horas (custosas) a corrigi-los para melhorar o desempenho dos meus alunos.

Aos poucos, ano a ano, fui percebendo que o método oral tinha pouca recepção auditiva e que não havia nada como o método prático de aprender fazendo. Metodo auditivo q.b. e depois redacções e mais redacções, exercícios e mais exercícios, vídeos e jornais e educação pelos/para/com os média. Era cansativo corrigir tudo, mas funcionava. Taxa de sucesso de 95 %.

Há 5 anos apenas, os truques ainda funcionavam. Um pouco de autoridade, 10 minutos de oralidade, alternando com períodos de actividade dirigida, os objectivos cumpriam-se. Já não fazia discursos, mas ensinava. Corrigir vírgulas - era a minha função profissional.

Hoje, tudo mudou. Os miúdos não sabem ouvir, aliás, não conseguem. Não ouvem nada (e certifiquei-me que não têm o auricular do mp3 metido no pavilhão do mesmo nome). Falam e interrompem quando lhes apetece como se fossem reis e filhos únicos numa aula de 24. Têm caprichos e gozam se lhes apetecer com o professor. Não sabem o que é um professor, nem para que serve. Serve - suponho - para os reter dentro da sala de aula, mesmo que não tenha nada para ensinar. Não vale mais que um auxiliar de acção educativa (dantes chamados contínuos, não sei porquê), mas não é, como aqueles, inofensivo, é a autoridade a abater. Os pais esses são mais fáceis de chantagear. Mas pelo mesmo caminho vão os professores. É uma guerra surda. Fechada entre portas. Ninguém conta, mas todos se queixam.

Não aprendem nada. Não sabem nada. Aos 12 anos têm idade mental e domínio conceptual de 8 anos. Nunca leram nada. Aos 16 sabem escrever como um puto de 12 (no antigamente). Aos 18 votam em quem oferecer o melhor computador. Mas não sabem ler.

Já não corrijo vírgulas. Hoje, inventam palavras por equivalência fonética. É a geração sms. Chama-se ainda escola. O ministério entretanto inventou o Estudo Acompanhado, que tem os mesmos objectivos da Área Projecto, que tem os mesmo objectivos da Formação Cívica, que tem os mesmo objectivos de todas as disciplinas: desenvolver competências gerais: ser um bom cidadão.

Os professores, por seu lado inventam, inventam; o ensino é hoje totalmente experimental. E nós que julgávamos que saber alguma coisa de pedagogia. O que vale é que passam todos. Sucesso total no reino do engenheiro Sócrates. Mas ainda alguém sabe quem foi Sócrates? Não, pois a filosofia acabou, conformemo-nos. Maiêutica, o que será isso?

Onde foi que a coisa avariou, Maria de Lurdes?!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A guerra



Dar aulas é tão emocionante como andar na guerra. A vantagem é que, no fim do dia, estamos ainda e sempre vivos. Vivos para contar. De resto, a tensão, a imprevisibilidade, as emboscadas, as armadilhas, o stress de guerra, os petardos e as bombas são equivalentes. Mas onde está o inimigo? O inimigo não são as belas crianças em que depositamos as esperanças do futuro. Nem os jovens promissores que vêm para a aula de mãos nos bolsos. Para esses é que o inimigo está bem visível, à sua frente. O inimigo são os professores.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O zoo



Fecham-se duas dúzias de alunos numa sala e impede-se que, por algum motivo, dali possam sair. Contratam-se tratadores que bastem para os manter lá dentro todo o dia. Não podem sair, não podem correr, não podem gritar, como fazem as crianças deixadas à vontade na natureza. Tudo isso acontece dentro de uma sala. E de preferência com a porta fechada. Não podem ser "postos na rua" eficazmente; em vez disso executa-se o empolado ritual da ficha de mau comportamento que os envia ao PME (Projecto de Medidas Educativas) para fazer uma ficha qualquer e o relato da ocorrência em 3 vias (uma do professor, uma do aluno e outra do professor vigilante das medidas educativas). Ao cabo do número de faltas suficiente para chumbarem, os alunos relapsos, revoltados ou mal-educados são impedidos de chumbarem e obrigados a fazer uma prova de recuperação acerca da matéria dada nas aulas a que faltaram. Com essa última oportunidade que o sistema lhes dá poderão continuar a fazer chiqueiro dentro das aulas.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Faca e alguidar (2)

«Violência na escola [...]

A porta da escola sec. 2 e 3 ciclo [...] um rapas espetou uma faca no braço de um outro colega da escola, o rapaz ficou a deitar muito sangue que duas meninas ajudaram ele a subir as escadas a deitar muito sangue.
O menino que levou com a faca foi para o Hospital e o outro foi preso e agora dia 3 de outubro já saiu da prisão.
Sabese lá se o menino que espetou a faca no outro que tinha os seus 16 não espeta numa criança de 10 anos, tem que ter cuidado!!» (sic)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ditado



Aula de Formação Cívica ao 7º ano. Aviso oral aos alunos: «Estive a ver as faltas no livro de ponto e fiquei preocupada, pois já há vários alunos com muitas faltas e ainda agora começámos o ano. Isto não pode ser, porque as regras este ano são diferentes. O Ministério mudou o Estatuto do Aluno, como já vos expliquei. Todas as faltas contam, mesmo as justificadas. E as faltas de atraso contam como as outras faltas. Então vou ditar-vos o novo regime de faltas, para mostrarem aos vossos encarregados de educação e para eles assinarem».

Seguiu-se o ditado durante mais de 30 minutos. Estiveram calados e atentos. Custou um pouco ao início, depois entraram no ritmo. E reconheci as (antigas) virtudes do ditado: treina a audição e disciplina a transcrição para o caderno; aplica a atenção, evita a dispersão; guia os alunos e acalma-os. Era mesmo o que eles estavam a precisar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Temas juvenis



Os temas de interesse dos alunos do 7º ano para serem estudados na "área curricular não disciplinar" chamada Área de Projecto: drogas, desportos radicais, monumentos, aquecimento global, animais em extinção, universo, sexualidade, moda, fenómenos naturais, violência doméstica.