sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A sanção



Hoje, a turma de 7ºano foi a uma visita de estudo, a primeira do ano; porém um terço da turma ficou na escola, pois, como já avisara no início do período, quem tivesse Faltas Disciplinares não poderia ir. Não se trata de um castigo, mas de uma precaução indispensável, como expliquei em recado aos pais: não podemos levar fora da escola alunos que não sabem comportar-se ou não obedecem aos professores. Esperemos, disse aos miúdos, que a partir de agora se portem bem para poderem ir à próxima visita.

Num recanto fechado do jardim da escola, descobri esta encantadora redoma que protege um menino Jesus.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Missão impossível



Os "planos de recuperação" estão em marcha desde o início do segundo período. Na verdade não vejo grande recuperação. Alguns miúdos mostram boa vontade e tentam fazer um mínimo; mas as lacunas que trazem - de organização, de competências e de conhecimentos - impedem-nos de recuperar tudo o que os distancia dos objectivos do programa.

Quanto aos outros, a prática mostra que é impossível ensinar quem não quer aprender - e esse é o caso de metade da minha turma de 7º ano. Os miúdos resistem activamente, negando-se a colaborar ou até a trazer os materiais distribuídos; simplesmente desprezam o ensino; e esperam passar automaticamente... como tem acontecido até agora.

Por muitos incentivos à participação ou estratégias de motivação que use, defronto-me todos os dias com a FRUSTAÇÃO; não consigo fazer o meu trabalho, porque do outro lado só encontro oposição e dificuldades. À frustação segue-se o desânimo que, junto com o cansaço físico, conduz à depressão.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Passagem de nível



Esta semana surgiu o debate em torno de soluções para o ensino: a criação de turmas de nível é, acho, a proposta mais sensata para resolver o problema das dificuldades de aprendizagem:

«Misturar na mesma turma alunos com capacidades e objectivos muito diferentes é prejudicar todos eles e não beneficiar ninguém. Por um lado, os melhores sentem-se completamente desmotivados, o que prejudica a prazo as suas capacidades, impedindo-as de se desenvolverem. Por outro, os que têm mais dificuldades acabam também por se desmotivar porque nem mesmo assim conseguem acompanhar o ritmo dos demais.
Ora, para que alguém aprenda e evolua é necessário que a aprendizagem esteja adequada ao seu nível, ou seja, aos seus conhecimentos, às suas capacidades e às suas competências. Para uma pessoa melhorar o salto em altura, nem se pode pôr a fasquia tão baixa, ao ponto de não exigir qualquer esforço para a ultrapassar, nem tão alta, ao ponto de se ter a certeza, antes do salto, que é impossível consegui-lo.
Este impasse só será ultrapassado com a criação das turmas de nível onde, necessariamente, todos os alunos estão em pé de igualdade, o que gera, só por si, uma concorrência saudável e permite ao professor encontrar as estratégias adequadas. Só que fazer isso implicaria pôr em causa um dos dogmas fundamentais do actual sistema de ensino. E com os dogmas não se brinca. O Galileu que o diga




Aqui todos os problemas vão dar aos outros. As dificuldades de aprendizagem provêm não apenas da heterogeneidade das turmas e de os alunos estarem em níveis cognitivos diferentes, mas também da rejeição liminar que muitos jovens fazem da escola...

Admitamos que, dentro da escolaridade obrigatória, todos devem progredir (ao seu ritmo, claro) sem retenções. Para isso seria necessário, antes de mais: criar turmas de nível, pois é impossível ensinar compassadamente alunos em níveis diferentes de conhecimento.

Por outro lado, também não é possível ensinar quem não quer aprender; mas este é o panorama geral do actual ensino. E por que é que os alunos estão tão desmotivados? Isso é o que mais custa entender. Será porque os pais dizem mal dos professores em casa? É certamente. Para eles a escola não vale nada. Mas não só. Na verdade, eles sabem que não vão “chumbar” e que não têm que se esforçar.

E nem sequer conhecem a recompensa do esforço, por outra razão: porque, na realidade, os professores não conseguem fazer numa turma heterógenea a chamada “pedagogia diferenciada”; ao proporem actividades e exercícios que não são adequadas nem para os mais atrasados nem para os mais avançados, provocam a frustação inevitável a todos os alunos. Como eles já não acreditam muito na escola, e como não conseguem obter satisfação seja qual for o seu “nível” de aprendizagem, distraem-se e tornam-se indisciplinados.

Sem disciplina não é de todo possível aprender. Quando falo de disciplina, estou até simplesmente a pensar num problema simples e maior: o facto de os alunos não saberem organizar o caderno diário, ou não trazerem as fichas que foram distribuídas na aula anterior, porque as acumulam ad-hoc em micas ou porque deitam fora os materiais fornecidos e os trabalhos feitos, como se nada valessem. Por indisciplina entendo também a incapacidade para prestar atenção durante mais de um minuto seguido.

Para mais, a dúzia de disciplinas que têm, várias delas apenas uma vez por semana, não favorece uma aprendizagem continuada e progressiva. Aprendem coisas dispersas e voltam a elas uma semana depois quando na sua curta memória tudo foi esquecido.

As aulas de 90 minutos também em nada ajudam; faz-se hoje muito menos numa aula destas do que se fazia dantes numa de 50 minutos; as crianças são hiperactivas e não aguentam sentadas tanto tempo; mas os intervalos continuam com o mesmíssimo tempo.

O que eles precisavam era de ginástica todos os dias: mens sana in corpore sano. E matemática todos os dias, língua portuguesa todos os dias, e história, geografia, ciências e artes pelo menos dia-sim-dia-não.

A agravar, as áreas-disciplinares-não-curriculares apenas servem para introduzir o imponderável dentro do conceito de aprendizagem e para confundir os alunos sobre a função da escola; ao quererem promover o trabalho de pesquisa sobre assuntos do interesse das crianças fazem-nas crer que tudo o que precisam de saber “está no google” e que o mundo é como a televisão o mostra. Os miúdos não concebem sequer que houve história antes deles.

Ah, esquecia-me ainda do pior: as aulas de substituição, que confundiram de vez os alunos sobre o papel dos professores, que agora são pouco mais que tratadores de jardim zoológico. Como diz Ramiro Marques: «Antes da imposição do sistema das aulas de substituição, havia maior tranquilidade e mais disciplina nas salas de aula».

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A irreverência



Há algo que me escapa nesta novíssima geração inculta; essa pseudo-irreverência de exigir sempre mais e provocar insultuosamente os mais velhos; será talvez apenas um sintoma do desrespeito e da má-criação tão tipicamente portuguesas, inflaccionadas pela difusa moral do salve-se quem puder e quem mais chico-esperto é quem mais vale que emana de altos cargos políticos como uma mensagem ecuménica; ou talvez nada disso, provavelmente já deliro.

O certo é que, hoje, numa simples aula de língua portuguesa, dada a incompreensão dos alunos acerca do termo "docente", escrevi no quadro: "docente = professor; discente = aluno". A altercação (sempre o mesmo chato, ultimamente) veio pronta: "Isso quer dizer que nós somos inferiores". Concordei, sorrindo ironicamente, mas depois afirmei com convicção: "Ninguém é inferior"; e repeti-o umas 3 ou 4 vezes. Expliquei então que a escola tem regras, como andar num autocarro tem regras; tais regras visam permitir que os alunos aprendam; e os professores são a autoridade que ensina e faz cumprir essas regras. Ninguém é inferior, voltei a insistir.

"Então como é que nós não valemos nada e somos o futuro?, inquire o rapaz. Respondi-lhe: nós pertencemos à humanidade, que tem muitos milhares de anos; essa humanidade tem evoluído muito, desde a descoberta da roda até à nossa era da electricidade e da informática; tudo isso se fez por transmissão de conhecimentos que foram sendo ampliados e desenvolvidos; a escola serve para transmitir os conhecimentos que vêm do passado às gerações mais novas, que por sua vez os irão transmitir às gerações seguintes. O basismo desta explicação, tão importante e tão misteriosamente ignorada, surpreendeu-me até a mim. Filosofia portátil para ignaros, hoje em falta.

Educados pela televisão e pela sua mitologia da juventude e do consumo, estes miúdos não têm cultura nenhuma, não sabem estudar, não têm a menor perspectiva do passado, ou sequer respeito pelos mais velhos. Acreditam em si mesmos, como deuses caprichosos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Kit professor (3)



"Alegria de viver". Antidepressivo natural. Emergência.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O que falta



Hoje recebi a mãe de uma menina irreverente e, como tantos outros, revoltada contra a escola, desmotivada, absentista, etc. Quanto ao acompanhamento familiar, esta mãe explicou-me que sai de casa às 5 horas da manhã, regressa às 10, volta a sair às 17 e quando volta às 22h já as quatro filhas dormem. Supus que trabalhe em limpezas de escritórios ou semelhante. "Só as vejo ao fim-de-semana". De facto.

Contei-lhe que na semana passada apanhara a filha no corredor e tinha aproveitado para lhe perguntar, a ela e à amiguinha também revoltada, se havia alguma razão para estarem zangadas comigo ou com qualquer coisa que tivesse acontecido. Elas não me deram grande resposta, mas eu fui inventando possíveis razões e disse-lhes ainda que, se as mando sair da aula, não é porque queira castigá-las, mas porque é inevitável diante das atitudes que tomam. «É como os pais, também ralham com os filhos, mas não é porque não gostem deles», concluí.

Disse à mãe que, depois dessa conversa, tinha notado uma grande mudança na menina. Na aula seguinte de Língua Portuguesa, fez o melhor resumo da turma e eu disse-o em voz alta e dei como exemplo o trabalho dela. Pequenas coisas fazem imenso pela auto-estima de cada um, como se sabe. Falta às vezes a oportunidade de intervir. E provavelmente falta muito a estes miúdos a atenção dos pais.

O artigo de Daniel Sampaio sobre a escola tornada armazém de crianças é sobre isto clarividente.
(Público, 15-02-2009)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Atitudes, práticas e expectativas



Os alunos de 10º ano continuam na sua atitude de provocação ligeira manifestada por risinhos permanentes que arrastam uma série de perguntinhas de desconversar; atitude que não pode considerar-se de subversão, mas, somado tudo, chega para empatar o curso da aula e impede de avançar ao ritmo desejável.

Nesta turma tenho dois alunos de língua materna não portuguesa. São impecáveis: correctos, atentos e esforçados. Os objectivos estão mais distantes e as dificuldades são maiores, mas isso não os desmotiva; pelo contrário. O que parece estar errado com os lusófonos é que desprezam o ensino que têm e quem lhes dá aulas. Do alto da sua pouca idade, posicionam-se contra a escola e combatem o conhecimento que consideram algo como obsoleto (como se eles soubessem o que essa palavra quer dizer...).

Hoje, diante deste boicote disfarçado, lembrei-me de lhes perguntar: "Vocês sabem quanto custa por ano ao Estado - ou aos contribuintes - a vossa educação?". 7000 euros de propinas anuais. Isso é mais do que os impostos que eu pago num ano. Portanto, os meus impostos individuais não chegam para pagar a escola de um aluno; é pelo menos uma pessoa a pagar para que cada um de vocês tenha direito à educação gratuita; e mais, não pagamos apenas pelos que aqui estão presentes, pagamos também por aqueles que se inscreveram e desistiram das aulas, mas estão a tirar o lugar a outros.

Há um que pergunta: "E como é que custa tanto?" Custa, porque é preciso pagar os professores, os funcionários, as instalações, os materiais, etc. A mim pagam-me para eu vos ensinar, acrescentei. Parecia que nunca tinham pensado nisso.

O problema - ou a solução - reside, segundo Ramiro Marques, em três factores que explicam o sucesso dos alunos estrangeiros e o insucesso dos nacionais:

«As razões do bom desempenho escolar dos alunos do Leste devem-se a três coisas simples e que não custam dinheiro: atitudes, práticas e expectativas.»

«Atitudes: respeito e consideração pelos professores. Práticas: gosto pelo trabalho e responsabilidade na realização das tarefas e deveres. Expectativas: elevadas face à escola e à educação

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Mediações



Esta foi uma semana de conflitos. Começou com o aluno de 10º ano que se recusou a sair da sala. Pela primeira vez - nesta turma - o meu verniz estalou. Levantei a voz e os alunos sentiram a minha irritação.

No dia seguinte, zanguei-me com uma colega novinha que optou por ser cúmplice dos alunos ao recusar-se a dizer, em conselho de turma, qual o aluno que ocupara, na aula anterior à minha, o posto informático de onde emanara a provocação sonora matéria de anterior participação disciplinar; e tanto mais cúmplice quanto os alunos lhe tinham contado a partida que me tinham feito; temia ela que eu minasse a sua boa relação com os alunos, apesar de ter eu afirmado claramente que não pretendia reabrir o assunto; apenas queria saber quem o fizera, para poder lidar com a sua psicologia. A quebra de solidariedade entre professores pareceu-me inaceitável e o conselho executivo concordou a posteriori comigo.

No dia seguinte, admoestei uma auxiliar por ter entregue a estes alunos a chave da sala, quando - segundo a regra mais simples do regulamento escolar - o primeiro a entrar e o último a sair da sala é o professor. A quebra desta regra é o suficiente para invalidar a minha autoridade; porque esta é a base de um pressuposto indispensável: quem manda no território da minha aula sou eu. Ao chegar à sala, pedi ao aluno que me desse a chave na mão; insisti 3 vezes. Ele recusou sempre; já irritada, peguei na chave pousada no puxador da porta e abandonei-os à porta da sala, dirigindo-me ao conselho executivo, onde uma professora mediou eficazmente a situação entre mim e a auxiliar, com desculpas mútuas e pacificação completa.

No dia seguinte, irritei-me com os miúdos de 7º ano porque não se calavam enquanto eu distribuía tarefas na aula de Estudo Acompanhado. No final, irritei-me de novo quando, ao exigir aos alunos de arrumassem carteiras e cadeiras, eles saíram ao atropelo e em confusão. Fechei-me na sala a chorar. Pensava eu ter perdido a face, mas nas aulas seguintes ambas as turmas se portaram como cordeirinhos e recebi nos corredores sorrisos de simpatia dos alunos. Parece que perceberam o meu desespero.

A terminar a semana consegui, finalmente, um encontro com a irmã de um aluno cuja encarregada de educação, a avó doente, não viera à escola uma única vez; a rapariga tem apenas 19 anos, mas age diante do irmão mais novo com uma atitude firme que me agradou; para azar, uma professora da turma passando por ali resolveu admoestar o rapazinho (ali presente) no seu tom tipicamente severo; a irmã foi aos arames e começou a dizer à minha colega que não admitia a sua má-educação, entrando ambas num diálogo de agressividade inaudita, que me foi impossível suster; quando a minha colega se afastou com comentários de desdém desrespeitosos, perdi um bom quarto de hora a acalmar a "menina senhora" (como lhe chamei), no esforço de - não desautorizando a professora - fazê-la compreender que não podia aceitar aquela atitude. Como o fiz já nem sei; cheguei a mandá-la calar-se e disse-lhe que talvez ainda não tivesse maturidade para se assumir como encarregada de educação do irmão; mas que era preciso pacificarmo-nos para podermos ajudar o aluno. O facto é que - apesar do distúrbio perfeitamente inútil - consegui depois falar com os irmãos, explicar-lhes o "plano de recuperação", incentivar o rapaz a trabalhar nas aulas para poder passar de ano, rever as participações disciplinares e tornar claro que não podia admitir que o miúdo andasse a intimidar os colegas de turma com agressões por parte dos seus amigos de outras turmas (dos mais mafiosos da escola), e isto sem poder revelar de quem provinham as informações que tenho; ao fim de mais de uma hora de conversa, saíram satisfeitos, agradecidos e a menina pediu-me até desculpa.

Mau-grado toda a frustação lectiva diária, descubro-me afinal capaz de aplacar a ira dos encarregados de educação, que não raro entram com duas pedras na mão, e de promover assertivamente a colaboração; no final até se despedem com beijinhos.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Retrovisão



Lembro-me de quando há 15 anos regressei à escola depois de ter estado retirada durante 4 anos num organismo do Ministério da Educação. A sensação que tive foi a de ter chegado a uma sociedade ideal, regulada democraticamente e funcionando sobre rodas mercê de uma organização complexa - estruturada transversalmente e distribuindo funções dentro de um calendário preciso - mas eficaz.

Todavia o que mais me encantou foi a frescura dos jovens e uma sensação de esperança que provinha da sua alegria e inocência. Hoje é tudo ao contrário. Ao regressar à escola, depois de 5 anos de ausência, olho para os jovens e só se encontro agressividade. Esperança nenhuma.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Antevisão



Notícias do nosso mundo:

Uma menina de 10 anos teve que receber tratamento depois de ter sido espancada. Agressão foi praticada na própria escola e os agressores apontados pela garota são quatro alunos, seus colegas. (10 de Fevereiro)

Um professor de Inglês foi agredido, ontem ao final da tarde quando saia o portão da escola, alegadamente, pelo tio de um aluno do 5º ano que tinha sido expluso da aula por estar a fazer barulho. (11 de Fevereiro)

Os epifenómenos dos caos nas escolas começam a chegar aos meios de comunicação; ainda bem. Pode ser que se comece a perceber que o ambiente que hoje aí se vive é a antevisão do que será a sociedade daqui a 5 ou 10 anos, quando estas crianças crescerem - sem regra, sem instrução, sem competências - e começarem a incendiar as ruas. Então, só saberão entender uma lei: a lei da força (que andam hoje a aprender na escola). Então as pessoas clamarão por um estado policial.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O medo



Dia após dia o véu que encobre as vergonhas revela um caso mais outro caso: os miúdos são agredidos pelos colegas e calam-se por intimidação; os professores assistem a distúrbios e calam-se nem sei porquê, acossados por não sei que receios, talvez de serem mal vistos - ou de serem mal avaliados? Mas esquecem-se que têm por testemunhas os alunos - e contribuem assim para o descrédito da sua autoridade.

O número de participações disciplinares que recebo já excede a minha capacidade para tratar os conflitos com os intervenientes; os problemas acabam por submergir na avalanche; a impunidade cresce na proporção directa da inoperância dos mecanismos de controle. O ambiente social escolar é cada vez mais agressivo. O desespero dos professores manifesta-se mais agudamente e alguns claudicam.

A incapacidade para resolver os problemas traduz-se agora numa angústia ouvida repetidamente: o que será esta geração quando crescer e o que serão os filhos desta geração? Nada conseguem aprender; por causa do ambiente tumultuoso das aulas, por causa do desinteresse pela aprendizagem, por falta de autoridade dos pais e dos professores. A escola, onde passam de ano somando lacunas e insuficiências, está desvalorizada. Geram-se hierarquias marginais entre alunos, gangs de pressão.

Sabemos que o medo é o pasto dos fascismos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Participação



A deformação ética revela-se diariamente nas atitudes dos alunos, como esta "participação disciplinar" exemplifica:

«Durante a correcção do teste de recuperação relativo ao módulo 2, o aluno questionou-me sobre uma das respostas, que estava aparentemente certa mas que eu subclassifiquei. Expliquei-lhe o meu critério, dizendo que a classificação daquela alínea estava associada a outra alínea anterior que ele não respondera, pelo que em vez da cotação total (5%) lhe atribui 3. Depois de lhe explicar isto, o aluno insistiu e enquanto eu lhe respondia de novo, dizendo-lhe ainda que tinha usado o mesmo critério para todos os testes, interrompeu-me várias vezes já com tom de insolência, de modo que tive que lhe dizer que se calasse e me ouvisse; aí respondeu que eu não o podia mandar calar, porque ele tinha o direito de falar (por estas ou outras palavras); respondi-lhe, já levantando a voz, que se calasse ele porque eu o mandava calar; disse que não se calava e então mandei-o sair da sala; recusou-se, mantendo uma prosápia ininterrupta; insisti 3 ou 4 vezes para que saísse da sala, mas recusou sempre; então chamei o Conselho Executivo (por telemóvel); a professora do CE apareceu pouco depois e o aluno (na atitude de que fora ele quem tinha reclamado a sua presença) começou logo a dizer que queria queixar-se de mim, após o que saiu acompanhado. A atitude deste aluno é frequentemente de despique, de irreverência e de desobediência, se bem que dentro dos limites aceitáveis; ultimamente, porém – e desde a minha última participação – tem sido quase de escárnio, a dele e a de outros da turma, que fazem comentários entre eles e se riem frequentemente daquilo que eu digo. Por tudo isto – e já falei destas questões directamente com eles – reina na sala um espírito de desautorização que tenho dificuldade em compreender; um pouco a pretexto de tudo, mas sobretudo em desafio ou reacção às notas dos testes (quando não lhes agradam), o alunos têm o desplante de pôr em causa a avaliação que fiz dos seus testes. Ora, note-se que eu forneço a cotação detalhada das questões, bem como a cotação atribuída, para facilitar aos alunos a compreensão dos critérios de avaliação – não para que eles tentem furar o esquema e reclamar por capricho. A atitude deste aluno configura uma falta de respeito e de reconhecimento pelo meu papel de professora e pela minha capacidade profissional que atinge a insolência. A continuação desta atitude é já intolerável, porque já a tentei moderar de todas as maneiras que me foram possíveis. Na impossibilidade de resolver esta situação, peço ao Director de Turma que convoque o encarregado de educação e lhe explique a posição do seu educando, avisando que a nota do módulo 2 que será atribuída ao aluno contempla – como estipulado nos critérios de avaliação da escola e nas fichas de auto-avaliação fornecidas aos alunos – o parâmetro das atitudes».

Os professores, como se sabe, estão diariamente sob avaliação pública; e sempre foi assim. O que hoje falta é boa-educação.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A pergunta



Dado o elevado número de faltas e ocorrências anormais (os atrasos, as faltas de material, as participações disciplinares, etc.), desisti de andar a telefonar aos pais. E criei mais um formulário (a inventiva burocrática floresce a cada escolho) para poder comunicar-lhes (em anotação manuscrita) as faltas e ocorrências da semana anterior. As cartas seguem por correio azul na segunda-feira seguinte. E resulta: os pais não podem ignorar.

Alguns acorrem logo a conferir as faltas e a confrontar os filhos. E ouvem o relato das insolências, da indisciplina, da falta de aproveitamento, o sermão todo. Apesar de incrédulos, põem-se do lado dos professores, pois. Há quem insista: "mas a minha filha nunca foi assim; a minha filha não é assim comigo". E eu vou dizendo que nesta idade eles deixam de ser crianças e que os amigos e as influências da escola marcam muito; que o clima na escola é caótico, pois.

E quase a despedir-se uma mãe faz só mais uma pergunta: "A minha filha anda intrigada com a Sôtora tirar fotografias..." Sorrio e digo que é por gosto e que sempre tirei fotografias; mas que sei que as pessoas hoje em dia se sentem incomodadas e por isso evito fotografá-las de frente.

Depois fico a pensar como é estranho tudo isto. Tanto para os adultos como para as crianças - e talvez porque todos têm câmara no telemóvel - está instalada a desconfiança. O BigBrother foi quase há 10 anos e introduziu na nossa sociedade uma deformação ética. O tempo em que se tiravam fotografias sem maldade já passou. E no entanto, as pessoas expõem-se hoje sem pudor nos Hi5 e nos Facebooks...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A incompetência (2)



Relatórios e estatísticas, é o que o professor burocrata tem que fazer - na nova orgânica que este ministério da educação impôs - para apresentar aos seus (colegas) superiores. A função da nova hierarquia (entre "titulares" e a auto-intitulada "ralé") é exigir relatórios aos que estão no lugar de subordinados; espécie de justificação (ou desculpa) para os níveis de insucesso.

E desde que os professores são obrigados a explicar o insucesso - para não terem má avaliação de desempenho - o relatório é quanto basta para os desculpabilizar das culpas deste sistema de ensino perverso e incapaz.

Muitos professores perderam já a noção das realidades; discutem vagamente "estratégias" e "planos curriculares de turma" - que é onde se avaliam as lacunas dos alunos e se propõem "planos de recuperação" inúteis - para depois justificar que tudo o que era possível fazer foi feito e que os alunos devem passar de ano. Mas nada foi feito. Discutem-se números e não se procuram soluções práticas.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A incompetência



Nas últimas três décadas houve uma progressiva deriva, a nível dos programas de "ensino-aprendizagem" (expressão em uso desde os anos 80), do ensino para a aprendizagem, ou seja, do ensino centrado no professor e nos "conteúdos programáticos" para o ensino à medida do aluno. A preocupação passou a ser com as "estratégias" ou "métodos" - valorizar a participação, o trabalho de grupo, a aprendizagem prática, os audiovisuais, etc. - para chegar aos "objectivos". Onde é que isso já lá vai...

Hoje, os programas escolares privilegiam as chamadas "competências". Os objectivos programáticos saíram do horizonte dos professores; e porquê? Suponho que porque se tornaram inalcansáveis; deixou de ser possível "dar o programa" ou sequer atingir um determinado nível de aprendizagem; hoje, todos passam de ano desde que consigam progredir alguma coisa, presumindo-se que progridem o mais que podem e que têm direito a ser acompanhados e estimulados no seu processo de crescimento cognitivo, sem a penalização de ficarem a marcar passo. Também por isso, os programas são concebidos em "espiral", de modo que os alunos vão passando, ano após ano, pelos mesmos tópicos, em espiral de aprofundamento, teoricamente recuperando aprendizagem anteriores e colmatando-as.

Mas tudo isto é uma falácia. É impossível fazer evoluir uma turma perfeitamente heterogénea, onde existem alunos com níveis de conhecimento muito diferentes; exemplificando: não é possível ensinar pontuação se os alunos não percebem o que é uma frase; nem é possível que identifiquem uma frase se não sabem distinguir entre um verbo e um nome; logo, não é possível que evoluam, a não ser numa nebulosa confusa, porque as lacunas persistem; em matemática, então, deve ser desastroso.

Para justificar tudo isto, inventou-se uma treta que é a "pedagogia diferenciada"; a única maneira de a fazer é preparar ou distribuir tarefas - isto é, fichas de trabalho - diferenciadas e pôr os alunos a fazer trabalho díspar; aí, o professor deixa de poder dirigir a turma - e explicar as matérias sequencial e uniformemente a todos. O papel de difusor que o professor tinha numa turma ordeira e nivelada desaparece; cada aluno trabalha por si, entregue à sua tarefa; aprende sozinho - mas não aprende, porque não é conduzido nessa aprendizagem; a maior parte das vezes não entende o que tem a fazer, desanima e desiste de fazer o que quer que seja; temos então metade da turma desmotivada e recusando-se a trabalhar.

Portanto, é suposto o professor preparar materiais para os vários níveis diferenciados existentes numa turma; é suposto que ele prepare várias aulas numa só. Tal pretensão atinge a impossibilidade, pois a preparação de uma aula eficaz é só por si uma tarefa exigente.

Entretanto, ano após ano, os alunos perderam a capacidade de concentração - se foi pela desorganização das próprias aulas ou por causa da atenção dispersa que desenvolveram com a televisão e as playstations, não sei. E perderam a capacidade de ouvir indicações gerais do professor; não ouvem nada, mesmo; dita-se o sumário e metade não ouve; diz-se a página do livro e metade não ouve; quanto mais ouvir o resto. É que nem entendem ou conseguem "ler" uma "ficha".

Tudo isto gera pura e simplesmente a incompetência dos professores e a incompetência dos alunos; a reprodução da incompetência em vez da reprodução dos saberes, que devia ser o papel da escola. Mas alguém usa essa palavra - "saberes" - hoje em dia? E alguém fala em sabedoria?

Eu - que dantes sabia ensinar - hoje incompetente me confesso.

Nós, os professores, devíamos SABER como resolver este problema. Mas só uma alteração de política educativa (a nível de cada escola) permitirá solucionar o problema do caos das aprendizagens. Ainda acredito que isso é possível.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A insolência (2)



Ninguém queria ou podia acreditar. O tema de hoje na sala de professores foi o extraordinário secretário Valter, que veio anunciar o regresso dos professores reformados às escolas; se não fosse verdade seria uma anedota, basta ver os comentários:

«O pessoal do ME tomou alguma coisa a mais. Ou a menos. Quando os professores estao dispostos a serem penalizados na reforma para se reformarem mais cedo querem que estes venham depois fazer voluntariado».

«O Sr. Valter Lemos e a sua equipa devem ter alucinações! Algum professor reformado quererá ir trabalhar com crianças sem educação e estar exposto a ser agredido? »

«Com todo o devido respeito pelos professores reformados: a insanidade total tomou conta deste país! vão-se buscar professores reformados quando centenas de professores no activo têm dificuldade em manter a ordem nas escolas e estão mortos - não porque querem deixar de trabalhar - mas porque não aguentam mais o clima das escolas».

«Aqui está uma boa notícia para os parasitas do PS. Aceitam-se deputados voluntários do PS PARA ESCOLAS EM RISCO !!!!»

«Já esqueceram? «Admito que perdi os professores, mas ganhei a opimião pública», disse a ministra. «Vocês [deputados do PS] estão a dar ouvidos a esses professorzecos», secretário Lemos. «Caso haja grande número de professores a abandonarem o ensino, sempre se podetiam recrutar novos no Brasil», secretário Pedreira, que também disse: «Quando se dá uma bolacha a um rato, ele a seguir quer um copo de leite». E a educadora Moreira, chefe da DREL: «[Os professores são] arruaceiros, covardes, são como o esparguete [depois de esticados partem], só são valentes quando estão em grupo». QUEM NÃO SE SENTE, NÃO É FILHO DE BOA GENTE ».

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O retrocesso



Em língua portuguesa, no 7º ano, comecei por rever as noções de sujeito, predicado e complementos; foi difícil. Passei então a explicar a operação de divisão de orações a partir da localização do verbo; os alunos não compreenderam, os resultados desiludiram-me. Recuei assim às classes de palavras para os fazer distinguir entre um nome, um verbo, um adjectivo e até, imagine-se, um advérbio; mais um falhanço. Tentei portanto reforçar os exercícios sobre nomes e verbos, usando outras "estratégias"; porém as fichas que vêm no manual são demasiado complexas, baralham muito. Na aula de apoio semanal, que dou a 4 alunos, descobri finalmente que alguns nem sequer sabem distinguir uma sílaba; quanto mais entender a lógica da colocação de acentos, que estou a ensinar em episódios.

7º, 6º, 5º, 4º, 3º, 2º. Acho que só tenho andado a recuar. Tanto tempo perdido até agora. Mas como é que conseguiram passar de ano sem saber, pergunto-me com falsa ingenuidade.