quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A insolência


Entreguei os testes sobre Camões à turma de 10º ano: 50% de negativas numa dúzia de alunos, os resistentes, ou seja, os mais interessados. Avisei que tinha havido respostas copiadas e que normalmente isso implica anulação do teste, mas neste caso apenas exigiria que fizessem o teste de recuperação. Antes ainda de começar a habitual e necessária correcção, começaram os esclarecimentos fora da ordem de trabalhos: «Ó setora, as respostas não estão iguais. Veja aqui». Fui ver. Onde dizia "existe" num teste, dizia no outro "há". "São sinónimos", expliquei. "O resto da frase está igual".

Mas o aluno insistia. O que mais me espantou foi o descaramento, que não sei se é de ignorância ou de insolência. E voltou a insistiu. Encolhi os ombros e disse-lhes que para mim as palavras são transparentes, ainda que para eles possam ser nebulosas. (Para a semana hei-de explicar-lhes o conceito de plágio.)

A seguir outro aluno levantou a questão dos erros (ortográficos ou gramaticais) que, por método, desclassifico em 1 ponto sobre 200 (ou 0,05%) cada. «Nunca vi nenhum setor fazer isto, isto é injusto». Expliquei que o erro faz parte dos critérios de avaliação em língua portuguesa e que todos os professores os penalizam, podem é usar outro método. O rapaz começou a empolgar-se. Fui avisando: «Eu respondo a todas as dúvidas. Mas cuidado com a insolência». Controlou-se.

Nova investida do mesmo aluno, a tentar ter razão: «Este teste não está bem avaliado. Isto não é um teste para 7,5, é pelo menos para 8,5». Respondo: «Usei um critério igual para todos». Ataca de novo: «Eu vou mostrar o teste a outro setor a ver se não acham que é um teste para 8,5». Devolvo: «Acho bem, podes mostrar a quem quiseres. Mas olha que os meus colegas confiam no meu trabalho». Nem lhe disse que os critérios de avaliação são inevitavelmente pessoais, não são universais.

O primeiro volta à carga. Agora porque eu não os respeito e os trato por tu. Sorrio: «Pois é, é um hábito, mas é que tenho idade para ser vossa mãe». E ele a dar-lhe: «Os outros professores não nos tratam assim». Fiz então um arrazoado sobre as diferenças de tratamento, os contextos, as intenções e rematei dizendo que não me calha tratá-los de outra maneira, porque para mim são uns miúdos. E se querem ser tratados por você, então que se portem como gente adulta. «Não trata por tu os outros setores», disseram ao desafio. «Claro que sim, são da minha idade e já nos conhecemos há muito». «Mas não trata por tu o presidente da escola?» «Claro que trato, é meu colega».

Ainda lhes disse que tenho mais experiência que eles e que já passei por aquela idade. «Ai não passou não, a gente já passou muito!» Pacientemente: «Vocês terão outras experiências, mas eu tenho mais 30 anos que vocês. E de língua portuguesa sei muito mais». Continuaram a protestar (já não sei de quê). Perdi a paciência: «Estás reclamar porquê? Nem sequer sabes escrever». O miúdo saltou da cadeira. Corrigi: «Não sabes escrever bem, e é isso que estou aqui a ensinar-te».

O mundo anda virado ao contrário: eu não posso dizer aos alunos que escrevem mal; mas eles podem achar que eu não sei da minha profissão.

Sem comentários: