segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Os objectivos



A semana começou sob o signo da avaliação. De acordo com o chamado "simplex 2" da avaliação, o conselho executivo estabeleceu um prazo para a entrega dos objectivos individuais de cada professor, que devem deduzir-se dos objectivos de escola, que por sua vez transpõe os objectivos nacionais, que são: reduzir o insucesso e o abandono escolar.

A avaliação incide agora apenas sobre quatro parâmetros, eliminados que foram pela ministra, qual benesse natalícia, os outros dois mais polémicos: a "melhoria dos resultados escolares dos alunos" e "a redução do abandono escolar". Resta então avaliar:

A. a "prestação de apoio à aprendizagem dos alunos incluindo aqueles com dificuldades de aprendizagem",
B. a "participação nas estruturas de orientação educativa",
C. a "relação com a comunidade" e
D. a "formação contínua adequada ao cumprimento de um plano individual de desenvolvimento profissional do docente".

Quanto à avaliação da componente cientifico-pedagógica - indispensável para obter um Muito Bom ou Excelente - é só para quem a pedir, e aqui se incluem as aulas assistidas e a apresentação de portfolio.

Assim, por exemplo, a "ficha de definição de objectivos individuais" estabelece, no parâmetro A, como "padrão esperado": "melhorar os resultados escolares em 50% dos alunos assíduos, até ao final do ano"; e como "padrão de excelência": "melhorar os resultados escolares em 70% dos alunos assíduos, utilizando estratégias diferenciadas até ao final do ano lectivo". A percentagem de melhoria condiciona a atribuição da classificação Muito Bom ou Excelente (respectivamente).

Para obter uma percentagem maior de melhoria, convém aos professores começar por avaliar os alunos bastante por baixo, no início do ano. E melhorá-los até ao final, onde sabemos que acabarão quase todos por passar de ano... Agora entendo de outra maneira a razia sem dó dos professores no 1º período, aquilo que eu pensava ser exigência e recusa da hipocrisia.

As fichas que temos que preencher (diferentes em cada escola) são - a meu ver - abstrusas; uma perfeita anormalidade que não se percebe como preencher nem parece conter nada de relevante. Para cada um dos quatro parâmetros, o professor deve indicar, à partida:
1. os objectivos individuais propostos;
e prever o "grau de cumprimento", estabelecendo:
2. "indicadores / critério de medida"
3. "fontes de recolha" e
4. "critério de superação".

Estas dos critérios de superação é que eu acho demais. Eu proponho-me como objectivo fazer x horas de formação certificada (obrigatória) com nota de Bom; o critério de superação será ter nota de Muito Bom. Eu participo em tais e tais estruturas educativas; o critério de superação será participar ainda em mais? Eu proponho como objectivo apoiar individualmente os alunos, mas tenho ainda que pensar no critério de superação; e qual será: apoiar mais alunos? apoiar melhor?!

No caso, por exemplo, do parâmetro "redução do abandono escolar" (excluído transitoriamente), tínhamos que se eu conseguisse evitar o abandono escolar de 2 alunos estava dentro do "padrão esperado"; se conseguisse evitá-lo em mais alunos, seria agraciada com o "padrão de excelência". E se eu não tivesse casos de abandono escolar para salvar? E como é que se prova que se evitou uma coisa que não chegou a acontecer? O aluno faltava, faltava, e consegui convencê-lo, obrigá-lo, atraí-lo a frequentar as aulas? Ou o aluno era desinteressado, mas consegui que viesse às aulas. E que "fontes de recolha" podia eu apresentar para comprovar a minha acção? Os relatórios, as actas, tudo quanto é papelada; mas certamente não seria fácil de verificar o trabalho de diálogo e persuasão que - esse sim - constitui o cerne da relação pedagógica...

A lógica deste sistema parece ser: definir objectivos baixos para depois provar que são superáveis. Ora, isso, para mim, é a lógica da mediocridade. Os meus objectivos costumam ser, sempre e antes de mais, cumprir o programa de aprendizagem e outras funções necessárias. Os programas curriculares, como toda a gente sabe, foram sempre difíceis de cumprir, pela sua extensão ou ambição. Mas trabalhávamos para esse objectivo talvez alcançável. Tentávamos ir tão longe quanto possível. O que cada vez é mais difícil. Por isso, só me acharei em condições de saber que objectivos consegui atingir quando chegar ao fim do ano. Sei que ficarão sempre aquém do que desejava, mas sei que foram o máximo que consegui fazer. Também sei que a excelência nesta profissão é um mito.

A avaliação da componente organizativa ou burocrática - a única que é actualmente exigida - considera que, se em vez de 100 conseguirmos fazer 120, temos um desempenho excelente. Ora, nas profissões onde se joga com o factor humano, não é possível estabelecer objectivos como numa fábrica de sapatos.

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