quinta-feira, 30 de abril de 2009

Esgotamento


Prestes a atingir o limite da exaustão, esqueço-me de coisas simples, engano-me nas aulas, já não respondo aos emails, quase não consigo ler e concentrar-me, acordo ansiosa, dói-me a cabeça continuadamente. Já reforcei as vitaminas. 

Começo a perceber que a conspiração maquiavélica se aproxima do seu desfecho e que previsivelmente todos os miúdos - mesmo sem saberem nada e mesmo os que se recusam a fazer qualquer coisa - vão progredir ou transitar de ano. Mas é tão injusto que todos passem com 3, quando alguns se esforçaram apesar de tudo para o conseguir. E afinal os que o não fizeram têm a mesma nota. Assim se recompensa a nulidade. 

Mesmo reconhecendo a bondade do espírito da lei que subjaz à ideia de todos os alunos devem poder progredir nas suas aprendizagens, não posso entender que se pretenda fazê-lo dentro de turmas tão heterogéneas, onde não é possível dar uma só aula produtiva. Dói-me a inutilidade do meu esforço.  

E o inferno continuará até ao 9º ano, onde então - dizem os pedagólogos do regime - se fará a avaliação de ciclo. Já assim passaram de ano até agora, e cada vez mais perceberão que de nada lhes serve trabalhar ou aprender pois - apesar dos sermões que ouviram todo o ano - não há consequências. A não ser quando chegarem ao exame de 9º ano. Todavia o governo vai resolver este problema, tornando a escolaridade obrigatória até ao 12º...

quarta-feira, 29 de abril de 2009

As faltas


Recebi uma mãe preocupada com as faltas da filha, que por ter atingido o limite de faltas já teve que fazer 4 provas de recuperação, 3 das quais "passou". Mas a filha voltou a faltar e a mãe pergunta-me se ela não vai reprovar por faltas. Não vai, não - respondo - porque as faltas que tinha antes ficaram limpas depois de fazer com sucesso as provas de recuperação. A mãe ficou de boca aberta. Mas não lho diga - acrescentei - senão ela põe-se a faltar mais. Não digo, não - respondeu prontamente, quase incrédula. A filha talvez ainda não tenha percebido, mas em breve vai perceber, quando outros alunos descobrirem o truque. E para o ano que vem, então, já todos saberão que podem faltar sem consequências. 

Seguiram-se os inevitáveis comentários à acção do governo e ao sucesso educativo de fachada... Andamos todos cegos, mas alguns já começam a ver claro:  http://www.profblog.org/2009/04/para-que-ir-as-aulas-se-posso-fazer.html

terça-feira, 28 de abril de 2009

Debate


Algumas verdades e evidências partilhadas nos comentários da Educação do meu Umbigo:

«Lecciono numa escola E. B. 2,3 do interior, que mostra a realidade do ensino português. Para grande parte dos alunos dessa escola, ter muitas reprovações e 7 ou 8 negativas é perfeitamente normal. O sistema de ensino não representa nada para eles e só andam na escola porque a isso são obrigados. A indisciplina tem aumentado assustadoramente, desde que este Desgoverno começou a «malhar» nos professores e desde que começou a rebaldaria chamada «aulas de substituição». «A gente passou a portar-se pior, com as ‘aulas de substituição’», – reconhecem os alunos. Por maior esforço que um professor faça, nas aulas não se consegue avançar na matéria, já que, maioritariamente, os alunos revelam total alienação e desinteresse pelos conteúdos lectivos e têm muita dificuldade em fazer a distinção entre as aulas e o recreio. A imagem que têm dos professores é, visivelmente, negativa, como sendo de uns coitados que não mandam nada. Vários deles são insolentes e mesmo arruaceiros em relação a professores. O sentimento de impunidade é total. »







segunda-feira, 27 de abril de 2009

Inferno futuro


Agora que concorri para outras escolas onde só haja ensino secundário, numa fuga declarada da indisciplina do ensino obrigatório, o governo anunciou o ensino obrigatório de 12 anos... Não está em causa o acesso ao ensino, que é um direito de qualquer cidadão. O problema é que torná-lo obrigatório para quem não o deseja, não o suporta nem é capaz de o fazer, é aumentar "o inferno que estamos a viver" na escola. 

Realmente, não há nada como o trabalho para ensinar a responsabilidade. A escola - hoje - não ensina nada disso. A medida poderá disfarçar o desemprego, talvez, mas por 3 anos só. Depois o efeito será explosivo. Jovens irresponsáveis, analfabetos, mimados em tiranetes, maiores de idade mas infantilizados, revoltar-se-ão e começarão a partir tudo, como já se viu nos subúrbios de Paris, nas ruas da Grécia e agora nas universidades francesas.

O cinismo máximo vem, mais uma vez, da Ministra, que considera que os professores que existem chegam perfeitamente para os mais 30 mil alunos que o sistema deve acomodar. E diz ela que "confia nos professores". Agora é tarde, minha senhora, para o dizer. Mas é prudente, porque quando a coisa rebentar já se saberá que a culpa é desses mesmos. É de chorar. 

Talvez os tais "peritos" de ensino público, que os governantes vão consultar depois de ter decidido a medida eleitoral, lhes expliquem como encher mais chouriços com a mesma máquina. É revoltante a arrogância destes pedagogos de secretaria que não querem ouvir as evidências do saber de experiência feito. 

P.S. Na Europa, há só cinco países com escolaridades obrigatória até aos 18 anos (dados do ME, divulgados pelo blogue MUP).

sábado, 25 de abril de 2009

25 de Abril não mais


A coberto do “reforço da autonomia das escolas” estabelecida pelo decreto-lei 75/2008, foi criado nas escolas o “Conselho Geral” a quem cabe eleger o Director. Este Conselho Geral não pode ter mais de 50% de pessoal docente e não docente no seu conjunto; ou seja, as escolas deixam de ser geridas pelos professores e ficam reféns – sim, reféns – das vontades da comunidade que exterior “que servem” – e de facto servem – mas cuja competência pedagógica profissional é inexistente.

O Director deixa de ser um professor eleito directamente pelos professores. A gestão democrática representativa que vigora desde 1974 e que permitia que os professores elegessem os seus pares – e sempre funcionou bem – acabou aqui. Acaba em 31 de Maio próximo (Portaria n.º 604/2008 de 9 de Julho), quando todas as escolas tiverem - em vez de Conselhos Executivos de formação colegial - um Director que será eleito por um Conselho Geral Transitório, onde se sentam os representantes dos professores, dos funcionários, dos alunos, dos pais, da autarquia e da comunidade local (de “carácter económico, social, cultural e científico”) “cooptados pelos demais membros nos termos do Regulamento Interno”.

O Director não será, ao contrário do alegado espírito da lei, mais autónomo, senão em relação aos “seus” professores. Ele dependerá directamente do ME, que mesmo à revelia da lei – como no caso da Escola de Santo Onofre - se permite destituir conselhos executivos eleitos democraticamente e desempenhando as suas funções com agrado da comunidade escolar. O Director tem por função ser o elemento charneira de aplicação das ordens que vêm de cima e das ordens que vêm de fora. 

Pode então prever-se que nas escolas facilmente poderá vingar a lei do caciquismo, onde um pequeno grupo no poder gere as dependências, as obediências e as benesses. Os efeitos desta política de interesses já se notam e têm vindo a tornar-se evidentes através da imposição de regras, trâmites, ordens e contra-ordens que o ME envia para as escolas e que a cadeia de comando tem por função fazer cumprir aos professores, qual operários obedientes. Antes, qualquer professor se manifestava e propunha medidas; agora dificilmente consegue fazer ouvir a sua voz. Agora há professores titulares que mandam e professores vulgares que executam. Deixou de haver liberdade de expressão pessoal e de participação no colectivo. Pois, quando o que está em causa é a avaliação, a carreira, o salário, todos se acobardam. E ainda se espantam com a desmobilização dos professores?

Pode dizer-se sem equívoco que acabando aqui a gestão democrática das escolas - último bastião de democracia organizativa - acaba aqui o 25 de Abril. Durou 35 anos, não mais.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Jogos educativos


Também os meus alunos de 7º ano estão a ser acompanhados quinzenalmente por duas psicólogas que organizam uma série de jogos de dinâmica de grupo e cooperação. 

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Estranho amor


A introduzir a temática da sexualidade, experimentei mostrar um documentário que fiz há uns anos sobre prevenção da SIDA nas escolas. O filme desenvolve-se em capítulos que correspondem às semanas sucessivas em que uma equipa de estudantes de medicina voluntários visita uma escola para pôr em prática a chamada "educação pelos pares". Mostrei apenas os três primeiros capítulos. Curiosamente, os alunos interessaram-se mais do que esperava. O que, no filme, perturba o comum espectador - que é o ruído juvenil excessivo - para estes jovens não é mais do que o seu banal quotidiano e não se mostraram incomodados. Creio mesmo que se sentiram espelhados no filme. Um deles comentou: "Aquela turma é muito parecida com a nossa". 

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Tempos livres


A escola actual não deixa qualquer tempo livre aos alunos. São 35 horas semanais no 7º ano, e mais ainda, por exemplo, nos cursos profissionais (secundários). Nem sequer quando falta um professor podem ir livremente para o jardim, conversar, correr ou jogar. Ficam presos dentro da sala de aula com um professor substituto que pouco mais faz do que tomar conta deles - o que se torna um sacrifício para todos e agrava exponencialmente a indisciplina. 

Quando me calha uma substituição, vou com os alunos para o Centro de Recursos, onde podem conversar, ler, fazer trabalhos, jogar, etc. Aliás, o centro de recursos está quase sempre vazio, já que os alunos estão obrigatoriamente fechados nas salas de aula...

terça-feira, 21 de abril de 2009

Autoscopia (4)


A mesma aula, agora aos 56 minutos. Os alunos fazem um exercício e a professora circula pela sala esclarecendo dúvidas. Vários alunos se levantam. Uns acabam o trabalho mais cedo e começam a conversar, outros pouco ligam,  a maior parte não se interessa muito nem se esforça. Começa o caos sonoro. 

O segundo fragmento decorre aos 66 minutos, sem que eu possa aperceber-me da cena de "pugilato". O terceiro fragmento passa-se aos 72 minutos: grito para os fazer baixar o volume de som. Ainda falta mais de um quarto de hora, nos quais será difícil acalmá-los para corrigir o exercício colectivamente.

Este é o clima em que decorre a maior parte das minhas aulas nesta turma, sobretudo quando são já na parte da tarde. Quem inventou as aulas de 90 minutos (em vez dos antigos 50) estava a pensar em alunos-modelo ou nunca deu aulas. É praticamente impossível manter atentos e sossegados 24 adolescentes durante tanto tempo. A capacidade máxima de prestar atenção seguida seriam 25 minutos, segundo estudos antigos (que já não posso citar). Em contextos disciplinados, pois, o que não é o caso. Além disso, os miúdos desta idade têm uma necessidade imperiosa de se levantar, de correr e de interagir. Mas, como os intervalos são poucos e o tempo de liberdade e ar livre também, estão sempre em ansiedade hiperactiva.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Intervalo

 

Os intervalos nuncam chegam. Durante os intervalos há tudo para fazer: trocar documentos, perguntas, informações com os colegas, trocar de dossiers e livros, atravessar o jardim para ir ou vir dos contentores e depositar o livro de ponto de volta na sala de professores, além de outras necessidades como a do lanche ou do café. É difícil geralmente chegar a horas à sala, mas os alunos já se acostumaram. A velha falta de atraso, marcada aos professores ao fim de 5 ou 10 minutos, caiu em desuso.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Balanço


A semana não foi má. A menina que abandonara a escola voltou às aulas, depois de chamada a mãe "à pedra" pelo Conselho Executivo e pelos assistentes sociais que apoiam a família de 6 irmãos. O aluno do 10º ano com cuja mãe me desentendi voltou impecável.

Os miúdos de 7º ano continuam impossíveis de calar ou de ensinar a não interromper. Ainda assim - já dominando melhor os ritmos difíceis de uma aula sujeita a boicote incessante - lá consegui pô-los a trabalhar, sempre no velho método interrogativo-participativo. Afinal se há coisa que eles não conseguem evitar é participar. 

Em Área de Projecto consegui que percebessem uma só coisa muito importante: como distribuir tarefas dentro do grupo. Forneci a cada grupo uma fotocópia com um tema juvenil diferente (a família, a puberdade, a adopção, as emoções, os amigos, etc.) - assunto que leram, sublinharam e de que distribuíram os tópicos para vir a apresentar à turma na próxima aula. 

Em Formação Cívica dei-lhes uma ficha "guião de leitura" de um artigo da Forum Estudante sobre os jovens e a política. E a terminar a semana, não havendo problemas para resolver na Assembleia de Turma, levei-os para o jardim para brincarem sob minha vigilância. O problema agora já não é o bullying, estão todos mais amigos e mais unidos; agora o "problema" são as raparigas a correr atrás dos rapazes e os rapazes a fugir das raparigas. Está na altura certa para introduzir o tema da sexualidade. 

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Autoscopia (3)


Este método centralizado e interpelativo é tão velho como a escola primária de outros tempos. Tem as vantagens da interacção sucessiva com todos os alunos, da verificação das aprendizagens e sua correcção imediata, e do controlo simultâneo dos comportamentos irregulares. É a técnica que se revelou mais eficaz no decurso deste ano com esta turma. Mantém-nos atentos e controlados e inclui um pouco de jogo ao desafio. Contudo estava ainda só a rever o que tínhamos dado numa aula anterior e já poucos sabiam responder. A seguir introduzi os tempos compostos do modo indicativo, para treinar especificamente o pretérito mais-que-perfeito simples e composto. Esta fase dura da matéria durou mais meia hora, após o que passaram à resolução de exercícios do livro. Neste dia tive sorte, estavam mais sossegados do que é habitual. 

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Autoscopia (2)



Após os 2 minutos em que uma aluna escreveu no quadro o sumário e mais 2 minutos para a turma o copiar nos cadernos, e depois ainda de mudar pela segunda vez uma aluna que estava no lugar errado, começo a matéria passados 8'15" do início da aula. Parece que já ninguém se lembra das 3 conjugações que vimos na aula anterior. Também todos os dias ensino a pôr o dedo no ar, mas não aprendem.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Autoscopia (1)


A entrada na sala é sempre desordenada. Em vez de irem logo para os seus lugares, os alunos cirandam, conversam, solicitam a professora. Alguns chegam atrasados e ao sentarem-se fazem invariavelmente ruído.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Interrupção


A interrupção lectiva dá lugar às reuniões de avaliação, 4 dias inteiros de trabalho interminável para mim, directora de turma inexperiente e ignara de muitos trâmites que ainda não encaixei no meu cérebro cansado. Uma reunião pode tornar-se um circo de vontades divergentes e conflituosidade docente. Muito cansativo. Pior do que dar aulas.