quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A incompetência



Nas últimas três décadas houve uma progressiva deriva, a nível dos programas de "ensino-aprendizagem" (expressão em uso desde os anos 80), do ensino para a aprendizagem, ou seja, do ensino centrado no professor e nos "conteúdos programáticos" para o ensino à medida do aluno. A preocupação passou a ser com as "estratégias" ou "métodos" - valorizar a participação, o trabalho de grupo, a aprendizagem prática, os audiovisuais, etc. - para chegar aos "objectivos". Onde é que isso já lá vai...

Hoje, os programas escolares privilegiam as chamadas "competências". Os objectivos programáticos saíram do horizonte dos professores; e porquê? Suponho que porque se tornaram inalcansáveis; deixou de ser possível "dar o programa" ou sequer atingir um determinado nível de aprendizagem; hoje, todos passam de ano desde que consigam progredir alguma coisa, presumindo-se que progridem o mais que podem e que têm direito a ser acompanhados e estimulados no seu processo de crescimento cognitivo, sem a penalização de ficarem a marcar passo. Também por isso, os programas são concebidos em "espiral", de modo que os alunos vão passando, ano após ano, pelos mesmos tópicos, em espiral de aprofundamento, teoricamente recuperando aprendizagem anteriores e colmatando-as.

Mas tudo isto é uma falácia. É impossível fazer evoluir uma turma perfeitamente heterogénea, onde existem alunos com níveis de conhecimento muito diferentes; exemplificando: não é possível ensinar pontuação se os alunos não percebem o que é uma frase; nem é possível que identifiquem uma frase se não sabem distinguir entre um verbo e um nome; logo, não é possível que evoluam, a não ser numa nebulosa confusa, porque as lacunas persistem; em matemática, então, deve ser desastroso.

Para justificar tudo isto, inventou-se uma treta que é a "pedagogia diferenciada"; a única maneira de a fazer é preparar ou distribuir tarefas - isto é, fichas de trabalho - diferenciadas e pôr os alunos a fazer trabalho díspar; aí, o professor deixa de poder dirigir a turma - e explicar as matérias sequencial e uniformemente a todos. O papel de difusor que o professor tinha numa turma ordeira e nivelada desaparece; cada aluno trabalha por si, entregue à sua tarefa; aprende sozinho - mas não aprende, porque não é conduzido nessa aprendizagem; a maior parte das vezes não entende o que tem a fazer, desanima e desiste de fazer o que quer que seja; temos então metade da turma desmotivada e recusando-se a trabalhar.

Portanto, é suposto o professor preparar materiais para os vários níveis diferenciados existentes numa turma; é suposto que ele prepare várias aulas numa só. Tal pretensão atinge a impossibilidade, pois a preparação de uma aula eficaz é só por si uma tarefa exigente.

Entretanto, ano após ano, os alunos perderam a capacidade de concentração - se foi pela desorganização das próprias aulas ou por causa da atenção dispersa que desenvolveram com a televisão e as playstations, não sei. E perderam a capacidade de ouvir indicações gerais do professor; não ouvem nada, mesmo; dita-se o sumário e metade não ouve; diz-se a página do livro e metade não ouve; quanto mais ouvir o resto. É que nem entendem ou conseguem "ler" uma "ficha".

Tudo isto gera pura e simplesmente a incompetência dos professores e a incompetência dos alunos; a reprodução da incompetência em vez da reprodução dos saberes, que devia ser o papel da escola. Mas alguém usa essa palavra - "saberes" - hoje em dia? E alguém fala em sabedoria?

Eu - que dantes sabia ensinar - hoje incompetente me confesso.

Nós, os professores, devíamos SABER como resolver este problema. Mas só uma alteração de política educativa (a nível de cada escola) permitirá solucionar o problema do caos das aprendizagens. Ainda acredito que isso é possível.

1 comentário:

DA disse...

Sou, sempre fui, favorável a grupos/turmas de nível.

Muitas escolas não gostam da ideia.