quarta-feira, 8 de outubro de 2008

História digerida



Há 25 anos, quando comecei a dar aulas, fazia os alunos do 10º ano engolir Fernão Lopes quase sem dificuldades (apenas uns vocábulos arcaicos para esclarecer). Ainda usava (à imagem dos meus professores) o famigerado método expositivo e confiava na minha verve. A coisa até resultava. Nos testes corrigia o estilo e as ideias.

No ano seguinte ensinava, na escola da Pontinha, gramática generativa ao 9º ano (coisa que estava a moda, mas dava trabalho) e os alunos até compreendiam e passavam.

Depois comecei a aprender pedagogia e a perceber que os miúdos tinham que exercitar as suas competências. Inventava exercícios e passava horas (custosas) a corrigi-los para melhorar o desempenho dos meus alunos.

Aos poucos, ano a ano, fui percebendo que o método oral tinha pouca recepção auditiva e que não havia nada como o método prático de aprender fazendo. Metodo auditivo q.b. e depois redacções e mais redacções, exercícios e mais exercícios, vídeos e jornais e educação pelos/para/com os média. Era cansativo corrigir tudo, mas funcionava. Taxa de sucesso de 95 %.

Há 5 anos apenas, os truques ainda funcionavam. Um pouco de autoridade, 10 minutos de oralidade, alternando com períodos de actividade dirigida, os objectivos cumpriam-se. Já não fazia discursos, mas ensinava. Corrigir vírgulas - era a minha função profissional.

Hoje, tudo mudou. Os miúdos não sabem ouvir, aliás, não conseguem. Não ouvem nada (e certifiquei-me que não têm o auricular do mp3 metido no pavilhão do mesmo nome). Falam e interrompem quando lhes apetece como se fossem reis e filhos únicos numa aula de 24. Têm caprichos e gozam se lhes apetecer com o professor. Não sabem o que é um professor, nem para que serve. Serve - suponho - para os reter dentro da sala de aula, mesmo que não tenha nada para ensinar. Não vale mais que um auxiliar de acção educativa (dantes chamados contínuos, não sei porquê), mas não é, como aqueles, inofensivo, é a autoridade a abater. Os pais esses são mais fáceis de chantagear. Mas pelo mesmo caminho vão os professores. É uma guerra surda. Fechada entre portas. Ninguém conta, mas todos se queixam.

Não aprendem nada. Não sabem nada. Aos 12 anos têm idade mental e domínio conceptual de 8 anos. Nunca leram nada. Aos 16 sabem escrever como um puto de 12 (no antigamente). Aos 18 votam em quem oferecer o melhor computador. Mas não sabem ler.

Já não corrijo vírgulas. Hoje, inventam palavras por equivalência fonética. É a geração sms. Chama-se ainda escola. O ministério entretanto inventou o Estudo Acompanhado, que tem os mesmos objectivos da Área Projecto, que tem os mesmo objectivos da Formação Cívica, que tem os mesmo objectivos de todas as disciplinas: desenvolver competências gerais: ser um bom cidadão.

Os professores, por seu lado inventam, inventam; o ensino é hoje totalmente experimental. E nós que julgávamos que saber alguma coisa de pedagogia. O que vale é que passam todos. Sucesso total no reino do engenheiro Sócrates. Mas ainda alguém sabe quem foi Sócrates? Não, pois a filosofia acabou, conformemo-nos. Maiêutica, o que será isso?

Onde foi que a coisa avariou, Maria de Lurdes?!

1 comentário:

Tiago disse...

É sair enquanto é tempo, Leonor. Seremos devorados por isto. Não pelos alunos, mas pela depressão de não conseguirmos mais fazer o que fazíamos.

É deixar a História fazer o resto. Ou optas por ser a carne picada da História, ou sais, arranjas outra coisa para fazer e assim podes assistir ao triste espectáculo com menos sofrimento.