segunda-feira, 20 de julho de 2009

Finalmente



Entro hoje de férias. O ano que passou foi muito longo e muito cansativo. O último mês (em que nada escrevi) foi ainda atarefado de obrigações organizativas várias: testes de recuperação, reuniões, exames, arrumação dos dossiers de turma, convocatória aos pais dos alunos retidos, relatórios e relatórios e a ficha de auto-avaliação, que entreguei acompanhada do protesto sindical.

Concorri e mudei de escola. Mas não quis deixar de apresentar um projecto de reorganização de turmas por níveis. Depois de uma prolongada "campanha" junto dos meus colegas, tive alguns apoiantes, mas não muitos. Elaborei o projecto completo, incluindo a reorganização nominal dos alunos, com a concordância das respectivas directoras de turma. Fizemo-lo unicamente em prol dos alunos, mas o sistema - a máquina humana - não deixou.

O meu "projecto experimental" propunha reorganizar 3 turmas de 7º ano (onde houve 30% de retenções) em duas turmas de 8º ano constituídas por alunos com níveis de competências/conhecimentos mais homogéneos. Os alunos seriam redistribuídos em dois grupos/turmas: uma com os alunos de aproveitamento geral satisfatório no 7º ano; outra com alunos que estiveram em plano de recuperação e que transitaram com níveis inferiores a 3. Ou, por outras palavras: aqueles que estão capazes de acompanhar o programa; aqueles que terão que superar dificuldades anteriores antes de progredir para níveis mais difíceis.

Eram definidos como Objectivos:
1 – Actualizar práticas pedagógicas adequadas ao contexto e às necessidades dos alunos.
2 – Aplicar a diferenciação pedagógica por grupos, de modo a superar lacunas de aprendizagem.
3 – Desenvolver o conceito de PCT (Plano Curricular de Turma):
a) partindo dos resultados dos alunos, de modo a constituir a turmas que possam progredir de forma mais uniforme;
b) evitando a necessidade de implementar tantos planos de recuperação individuais (para aqueles alunos que transitam já com dificuldades).

Os Indicadores de avaliação do projecto seriam:
1 – a melhoria dos resultados escolares em ambos os grupos/turmas;
2 - a diminuição do número de alunos com necessidade de Plano de Recuperação e Apoios sócio-educativos (por referência às turmas de origem de 7ºano).

O Conselho Pedagógico recusou a minha proposta, com base no tabu da discriminação e em temores vagos que se levantam dizendo que a Constituição não o permite... Acho que não a leram.

O que o Artigo 13º (Princípio da Igualdade) estabelece é que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»

Ora, a Constituição, embora fale em "instrução", não se refere aos resultados escolares. A aprendizagem é um processo sequencial, não se pode progredir sem passar pelos estágios anteriores; todo o ensino se baseia nisso. Alguém duvida que um aluno com lacunas a matemática ou inglês não conseguirá acompanhar o nível seguinte de dificuldade, sem cavar ainda mais fundo as suas lacunas?

Mas há quem defenda ainda o indefensável: a propalada "pedagogia diferenciada" dentro de turmas heterogéneas. Qualquer professor com experiência sabe que esta diferenciação é incomportável, quando, ao fim de muitas transições de ano facilitadas, os alunos começam a estar todos desfasados. Quantos anos levará a entender-se a evidência?

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O silêncio



Foram-se as crianças e os seus gritos. Os bulldozers e os berbequins invadiram a escola. Algumas árvores foram cortadas. O estaleiro instalou-se. Os professores reúnem-se em salas silenciosas e arejadas. Há grupos de trabalho para tudo, pois é preciso arrumar este ano e preparar rapidamente o próximo, mesmo se as pautas e as notas ainda não saíram por causa das avaliações extraordinárias e dos conselhos de turma que é preciso repetir e as mães começam a telefonar ansiosas para saberem se os filhos passaram e nós "não podemos dizer". Ele há relatórios para tudo e autoavaliações e tanto mais: os professores agora trabalham no silêncio.

Mas as tarefas inadiáveis (e desinteressantes) emudecem até ao arauto dos professores em "Os Dias Da Burocracia Desinspiram-me" e todos se queixam da maldita burocracia, ou como Fernanda says:

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Avaliações


Avaliados os alunos, as minhas colegas andam atarefadas com as suas autoavaliações. Por email trocam-se os PCT - Projecto Curricular de Turma - e outros relatórios.

Aqui fica, para exemplo, o PCT da minha turma de 7º (no 1º período):

«CARACTERIZAÇÃO DA TURMA:

Turma relativamente homogénea a nível etário e social. No entanto a nível dos conhecimentos não há uniformidade. Alguns alunos acompanham bem o nível de aprendizagens previstas nos programas mas a maior parte apresenta dificuldades diversas e falta de interesse. Os alunos revelam grandes dificuldades a Inglês devido sobretudo à fraca capacidade de concentração. Não participam de forma ordenada e produtiva. Não cumprem regras e perturbam o normal funcionamento das aulas. Têm um ritmo de trabalho bastante lento. Não conseguem mobilizar conhecimentos científicos e em usar instrumentos de medição (ET). Desempenho pouco satisfatório a nível do raciocínio (Matemática). Manifestam insuficiências no tratamento da informação. Muitos alunos apresentam grande desmotivação e pouca responsabilidade. Globalmente a turma não sabe estar numa sala de aula e respeitar as orientações do professor. Em EF a turma é globalmente empenhada mas a conflitualidade existentes entre alunos destabiliza as aulas.

DIFICULDADES/PROBLEMAS DETECTADOS:

Os alunos revelam atitudes incorrectas impeditivas da aprendizagem e há alguns casos de indisciplina problemática embora não muito grave. Além disso são desorganizados no seu estudo. Há diversos alunos com dificuldades de concentração, com dificuldade de acompanhar a aula, w outros que provocam distracção nos colegas, resultando num clima geral de falta de disciplina. Muitos alunos dão erros ortográficos. Revelam grandes lacunas em várias áreas do conhecimento assim como do domínio correcto da língua. Revelam grandes dificuldades no trabalho cooperativo (em grupo) e desorganização no trabalho de pesquisa. Falta de literacia necessária para acompanharem os programas e dificuldades de operacionalização matemática. Muitos alunos não trazem o material necessário para as aulas.

OBJECTIVOS DO PROJECTO CURRICULAR DE TURMA:

- desenvolver uma postura correcta dentro das aulas de modo a permitir a concentração no trabalho
- desenvolver a responsabilidade e autonomia dos alunos
- incentivar os alunos desmotivados através de reforço positivo
- criar um clima de cooperação entre os alunos e espírito de turma
- interpretação de textos de diversos tipos

COMPETÊNCIAS GERAIS A PRIVILEGIAR:

- participação em actividades respeitando normas e métodos de modo a desenvolver autonomia disciplina de aprendizagem e respeito pelos outros
- utilização de diferentes tipos de linguagens: textos, mapas, quadros, gráficos, fotografia, filmes, etc.
- pesquisa selecção e organização de informação, realização de actividades de investigação autónoma e criativa (Geografia)
- mobilização de saberes científicos e resolução de problemas

ESTRATÉGIAS A DESENVOLVER NAS DIFERENTES ÁREAS CURRICULARES:

Controlo do material da sala de aula.
Controlo da assiduidade e pontualidade.
Projecto de Geografia no moodle.
Erros ortográficos: emendar e rescrever várias vezes as palavras corrigidas.
Leitura orientada de textos atractivos.
Produção de textos escritos. Preenchimentos de textos lacunares. Exercício de resumo.
Desenvolver trabalhos de grupo para melhorar relações interpessoais.
Trabalho em pares.
Registo e resumos das aulas.
Centrar o ensino em questões do quotidiano.
Promover actividades de pesquisa.
Incentivar a expressão pessoal e criativa.

ACTIVIDADES A DESENVOLVER:

- trabalho individual
- trabalho de grupo
- trabalhos de casa
- visitas de estudo
- trabalho de investigação
- participação em actividades educação física

CONTEÚDOS DE CARÁCTER TRANSVERSAL:

Reforçar as competências ao nível da língua portuguesa.
Exigir o cumprimento de regras dentro da sala de aula.
Geografia e Português: descrição.
Geografia e Matemática: exercício de escalas.
Geografia e Ciências: Meio Natural.

CRITÉRIOS/INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO:

- testes de diagnóstico e formativos
- fichas de trabalho na aula
- registo de atitudes e comportamentos
- registos de intervenções orais
- peso dos testes formativos: 50%
- avaliação no domínio dos conhecimentos: 70%
- avaliação no domínio das atitudes: 30%
- auto-avaliação

CONTRIBUTOS DAS DISCIPLINAS PARA FORMAÇÃO CÍVICA:

Regras de estar numa sala de aula.
Grécia antiga: cidadania (História).
Desenvolver atitudes de auto-estima e respeito mútuo (EF).

CONTRIBUTOS DAS DISCIPLINAS PARA ESTUDO ACOMPANHADO:

Fichas de trabalho de diversas disciplinas.
Treino de técnicas de estudo.»

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Observação



Na minha sala, oito alunos presentes na primeira fase do exame de 12º ano de Biologia-Geologia (faltaram 12).
O único rapaz abana nervosamente a perna e levanta as sobrancelhas enquanto lê o enunciado.
A menina ao fundo cruzou os braços e contém as lágrimas com os cantos da boca descaídos. Só meia hora depois começa a responder à prova.
Ao fundo também, uma menina com as costas torcidas debruça-se conscienciosamente sobre a prova, sempre de caneta em riste.
À sua frente, outra menina meneia a cabeça enquanto lê a prova e estica os braços substituindo uma folha por outra e por outra.
Na mesa seguinte, a rapariga de óculos grossos e braços esguios apoia o queixo imóvel entre mãos.
À frente, a menina de cara redonda de bonomia olha em frente abstraída com olhos que pensam mais rápido do que escreve.
E, por fim, a rapariga brasileira meio desorientada que pede explicações e que julga que é para responder no enunciado (em vez da folha de prova), distraindo todos os colegas em volta.

Seis acabaram antes da hora e meia e ficaram à espera que tocasse ao fim das duas horas. Dois deles aproveitaram o prolongamento de mais meia hora.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Tédio


Nada de extraordinário hoje: uma vigilância (entediante) e o resto do dia a arrumar papelada (desesperante). Demasiado calor para trabalhar.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Infoburocracia


Ao contrário do credo iluminista na marcha da civilização, a era da informática e os novos mitos da tecnocracia fizeram-nos regredir em poucos anos a formas de organização incipientes, complicadíssimas e pouco racionais.

Onde antes se marcavam notas e faltas numa simples tabela ou pauta, fácil de consultar, de alterar e de verificar, agora os génios de garagem da informática inventam programas bizarros onde para inserir uma falta ou uma nota é preciso fazer inúmeros cliques, mudar de separador constantemente, desesperar diante da ampulheta vagarosa e, por fim, o programa nem sequer consegue compilar os dados e fazer meras estatísticas.

E é claro, cada vez que a ministra muda a lei, tem que se esperar que os cérebros humanos reprogramem o sistema. Entretanto os DT fazem de software humano e tiram os dados à mão, seja para aviso aos EE das provas de recuperação, seja para relatórios sobre aproveitamento e indisciplina à Direcção da escola.

Quem fez este programa infernal foi uma empresa intitulada Truncatura, que tem uma certificação do ME. Antes de pôrem o monstro a funcionar deviam tê-lo testado no que diz respeito à "usabilidade" e de acordo com os princípios da chamada "interacção humano-computador". Bastava uma espécie folha de cálculo melhorada... mas prontos, são uns profissionais. É a vida.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Burocracia



Mais um dia passado na sala de DT a perfazer os múltiplos relatórios e dossiês pós-avaliações. Entrou uma colega minha (que está de saída para a reforma antecipada) e desabafou: "A burrocracia está na proporção directa da estupidez". Trocámos um sorriso amarelo, palavras para quê. No cimo do armário pode ver-se a colecção de dossiês (só da direcção de turma) que acumulei durante o ano, não sei se por excesso de zelo ou por inaptidão natural.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Desmantelamento


Como a escola está em obras, agora que acabaram as aulas os bulldozers avançam sobre o campo de jogos (onde se construirá um polidesportivo) e a velha mobília (mesmo em perfeito bom estado) vai para a sucata, depois de lançada estrondosamente do primeiro andar para vir estatelar-se no rés-do-chão. Parece que, como virá de tudo novo em folha, o que na semana passada ainda se usava vai já pró lixo. Alguns respigadores levaram para casa uma mesa ou duas cadeiras, já que os armários são muito pesados.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Resultados


Na minha turma de 7º ano, 7 alunos não transitaram num total de 24, ou seja, houve 30% de insucesso. Três acabaram por reprovar por excesso de faltas, depois de terem tido a hipótese de fazerem as “provas de recuperação” (de faltas), a que faltaram ou onde obtiveram aproveitamento Insuficiente. Sendo assim, não lhes foram relevadas as faltas. Outros, com excesso de faltas, conseguiram apesar de tudo passar, pois tiveram aproveitamento nas provas. Àqueles que tinham 4 ou 5 negativas, alguns professores tomaram a iniciativa de subir a nota. Um dos alunos foi decidido pelo Conselho de Turma que transitasse mesmo com 4 negativas. Um dos reprovou, porém, como já é segunda retenção ao longo da sua escolaridade, o caso terá que ir a Conselho Pedagógico, que decidirá se pode chumbar ou não. A estes casos aplica-se a chamada Avaliação Extraordinária, com relatórios do DT, consulta ao SPO (Serviço de Psicologia e Orientação), ao Encarregado de Educação e, por fim, Conselho Pedagógico. É mesmo para dificultar o “insucesso”.

sábado, 6 de junho de 2009

Sábado


Fui à escola preparar a papelada para a reunião. Em 3 horas adiantei o que pude e ainda trouxe trabalho para casa. Saí de lá já com dores de cabeça. Exausta. Há dois meses que acordo cansada. Foi uma longa aventura de 9 meses. Mas o alívio de ter acabado ainda não o senti.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Último dia



Acordei às 7 da manhã, bastante antes do despertador. Levantei-me inquieta e às 8 já estava a corrigir trabalhos e testes entregues na véspera.

A primeira aula, às 10h10, foi Língua Portuguesa do 7º ano. Alinhei os miúdos em fila (agora já não protestam) e fiz uma chamada rápida enquanto marcava as faltas. Entraram, pedi logo a um mais expedito que escrevesse o sumário (correcção do teste entregue na véspera) e acrescentasse um asterisco, com uma nota ao canto do quadro: "quando acabarmos, podem sair". Mas logo não encontrava nos meus vários dossiers os testes que acabara de ver. Chamei a auxilar do corredor e pedi-lhe que ficasse com os alunos por dois minutos enquanto ia ao meu cacifo. Voltei. A correcção do teste feita oralmente, apesar do estímulo de poderem sair mais cedo (pela primeira vez no ano), não foi tão rápida quanto desejava. Ao fim de uma hora acabámos a conjugar em coro os verbos no modo indicativo. Depois de arrumarem as carteiras, mandei-os sair um a um, avisando-os, um a um, à medida que saíam passando por mim à porta, que se fizessem barulho no corredor eu é que ia ouvir do Director.

Intervalo breve: como um croissant misto e vou rapidamente para o segundo bloco de aulas, Estudo Acompanhado, hoje com duas professoras de ciências que vieram fazer a segunda aula de educação sexual. Mando fazer fila à porta do pavilhão, marco as faltas, entram as professoras e depois os meninos. Começam as respostas às perguntas anteriormente feitas: sobre menstruação, SPM, tampões, pílulas, preservativos feminino e masculino, HIV e Sida, gravidez, etc.
- O meu padrasto é seropositivo e o meu avô morreu de sida! - diz um miúdo.
- A sida transmite-se pelas escovas de dentes?
- E pelo beijo?
- Porque é que há preservativos de chocolate?

"Depois vamos passar à parte prática", explica uma professora. Risadas. "Mas primeiro vão ver como é que se abre e coloca um preservativo". A professora demonstra. Depois juntam-se os meninos em grupos de cinco, grupos mistos, e em cada mesa é distribuída uma banana e um preservativo, que uns enfiam melhor e outros desenfiam e desenrolam continuadamente. Ficam com as mãos lubrificadas e pedem enojados para as limparem. Gostei sinceramente desta aula das minhas colegas. Achei muito bem. Simples, desmistificadora e eficaz na mensagem principal: usar sempre o preservativo.

Ainda fizeram mais um jogo de confraternização em que cada um tinha que escrever três elogios num papel colado nas costas dos outros. Nada de novo para eles, que já tinham feito um jogo parecido com as psicólogas e que desde ontem riscavam camisolas incessantemente. A mim escreveram só dois elogios: "bakana" e "divertida". Tal como um outro miúdo disse, achei que era mentira.

Ao saírem da aula, uma miúda repara que lhe tiraram o telemóvel de cima da mesa. Desata a chorar desesperada. Mais um roubo. Um outro miúdo tem uma suspeita e digo-lhe que não a revelarei se me disser ao ouvido: sugere-me que poderia ter sido certa miúda que saiu logo depressa. Fico muito chateada com o caso e uma colega diz-me que não me preocupe e esqueça o assunto, senão ainda me vêm pedir responsabilidades. Encontro a professora de inglês com quem eles vão ter a última aula a seguir ao almoço e pergunto-lhe se posso ir interromper a aula dela para tratar ou moralizar acerca do roubo (o outro fora no 1º período).

Entretanto, tenho que aproveitar o tempo para ir adiantando a inserção de notas no sistema G.A. (Gestão de Alunos) e a minha secretária de reunião oferece-me para me ajudar. A duas é mais rápido e enganamo-nos menos. Mas primeiro vamos almoçar qualquer coisa ao bar, que está já bastante desprovido, pelo que peço um bolo e um café para me dar energia. Mas de repente passa a miúda suspeita. Sigo-a e interpelo-a: "Mostra-me o teu cacifo", digo sem explicar. Ela estranhamente não refila, como é seu hábito, nem pergunta porquê, 0 que seria o mínimo expectável. pressinto que ela saberá porquê e que nada vou encontrar. Estou a revistar-lhe o cacifo, quando a minha colega vem dizer-me que o telemóvel já apareceu, disseram-lho agora mesmo. "Ainda bem, estava a ver que tinha que revistar os cacifos a toda a turma", digo em jeito de desculpa.

Começa a agitação no átrio decorado. Vai haver concerto e os meninos das escolas de 1º ciclo do Agrupamento vão-se sentando no chão à espera. Na sala dos DT, mesmo ao lado, inserimos as notas no GA. Toca o telefone para mim: uma mãe que desde há uma semana diz querer falar comigo, "mas tem sido muito difícil". E teve sorte, explico eu pela enésima vez, pois tirando a minha hora de atendimento, ando sempre em trânsito pela escola. O caso é que a professora de matemática deu um teste a todos os alunos e quando o filho o pediu a professora recusou dizendo que para ele já não valia apena (uma vez que ia ter negativa a matemática). Que o filho tinha ficado muito magoado e que não era correcto uma professora agir assim. Disse-lhe que sim, que era estranho, que iria saber de que tratava, mas que era sempre possível que o filho tivesse interpretado mal as palavras da professora, até porque, como antes víiramos, ele tem uma certa tendência para inventar (e para mentir à mãe nas notas). Enfim.

Subo de novo as escadas para ir buscar os materiais para a próxima aula. Troco de dossiers e lá vou eu, carregada como um burro, atravessando o jardim, enquanto cai uma chuva de verão inesperada. Encontro abrigo no guarda-chuva da colega de inglês, que, risonha, me pergunta então por que não apareci, e ela que esteve a fazer horas e a entreter os miúdos... Peço-lhe imensa desculpa, tinha-me esquecido completamente. Prossigo.

No átrio, uma rapariga de microfone em punho e som alto pede aos circunstantes para se calarem para poderem ouvir a música que se vai tocar. Em vão. O trio acústico inicia mais uma peça de Mozart, mas é impossível calar o ruído. Parecem uma música de fundo longínqua, mas o pessoal e o miudal estacou por ali, não sei se a ouvir.

Na sala de professores do secundário, uma outra colega queixa-se dos alunos insuportáveis de 10º, os mesmos que também a mim só me dão trabalhos e que o director de turma não quer ou não sabe sancionar como lhe competia. "Ah é? - diz outra professora - Eu não tenho tido problemas com eles. Só hoje é que dois não queriam sair da aula e tive que chamar o DT". Se isso não são problemas...

A turma de 10º ano vai fazer teste do módulo 5 (Textos dos Media). Mas já não sei onde estão os testes que acabei de embolsar 5 minutos antes. Os meus neurónios andam a falhar sistematicamente. A memória RAM anda em baixo. Mas lá os encontro. Os alunos portam-se decentemente, tirando o estarem sempre a fazer perguntas alto e a mandar boquinhas. Acabam o teste, mas apesar de poderem sair preferem ficar. Enquanto não chatearem, podem ficar. Eu aproveito integralmente os 90 minutos para pôr em ordem 3 dossiers de papelada em desordem.

Intervalo grande: passo pela sala de DT, encontro a professora de matemática, que só agora me dá as notas que imediatamente insiro no GA. E aproveito para lhe contar a história da queixa da mãe. Ela, mal-disposta, responde que deu um teste de recuperação somente àqueles alunos que estavam entre o 2 e o 3, só a alguns portanto, onde não se inclui o tal. Obviamente tinha que haver uma razão simples, mas que um miúdo mimado e uma mãe-galinha transformaram num caso de indignação contra a professora.

Às 17 horas, dirijo-me à última aula do dia (a sétima): Assembleia de Turma. Quando me perguntam se podem sair mais cedo, digo logo que sim, mas não lhes apetece assim tanto e tenho que os mandar embora. "Cuidado com o Director", aviso, mas eles querem lá saber. Saio por último e logo ali está o director à porta que tem cravadas as letras "C. Directivo".

Lá em baixo, o concerto, agora jazzístico, prossegue em alto som. Entro na sala de DT. Arrumo os afazeres, procuro organizar-me. Chamam por mim. Chegou uma Encarregada de Educação que eu chamara à escola por causa da Avaliação Extraordinária de um aluno, que com as suas 7 negativas, só no último período de demonstrou alguma vontade (ainda que fingida) de estudar um pouco, mas isso não o livrou das más notas. Isto sei eu, mas não o digo. Como já anteriormente tinha reprovado, aliás, repetido, aliás, ficado retido (os eufemismos para essa coisa vergonhosa que se chama "chumbar" são cada vez mais cautelosos), sou obrigada por lei a chamar a E.E. para saber o que ela pensa e o que considera mais benéfico para o aluno: ficar retido ou progredir (ou transitar, ou ser aprovado, ou passar). É uma conversa mais ou menos longa, que não tenho já paciência para aqui reproduzir. A E.E. tem 20 anos e é irmã do irmão. Compromete-se a ajudá-lo e estar atenta, caso passe, como caso não passe. Os olhos do miúdo brilham de esperança. Despedem-se gratos. Mas a decisão é do Conselho de Turma, já lhes explicara.

São 18h. Volto ao meu trabalho de DT. Tenho ainda que levantar as faltas da semana, inseri-las no GA, organizar montes de papelada, e isto porque a minha reunião é na segunda de manhã. A música aos altos berros não pára. Não consigo pensar. Já me doía a cabeça desde uma hora atrás, agora estala. Há 10 horas que não páro. Todas as minhas sextas-feiras deste ano têm sido assim; ou antes, pior, muito pior; esta foi de todas a mais leve, pois quase não dei aulas. Venho embora, não é possível aguentar.

Chego a casa e a minha filha, que vai fazer exame de 12º ano, espera que eu lhe mostre a correcção que fiz do exame que ela fez como exercício. Segui as instruções oficiais e fui rigorosa e severa. Nota: 12. É pouco para ela, mas mostra-se interessada e percebe todas as correcções que lhe faço. Já me deixou no computador outra prova resolvida para eu corrigir. A dor de cabeça vai-se esvanecendo. Saio depois e vou esmoer o stress na bicicleta.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Últimos dias


Auto-avaliações multiplicadas em todas as disciplinas, mais as auto-avaliações nas ACDN e a Auto-avaliação Global que irão integrar o processo individual do aluno: e não sei para quê, porque ninguém vai ler. Nem se sei se é uma estratégia (inútil) de auto-consciencialização do aluno, ou apenas uma forma de - segundo o ar dos tempos - fazer de conta que se avalia ou que tudo isso tem alguma valia.

As "crianças" tatuam-se com canetas de feltro na roupa e em todas as partes do corpo. Meninas e meninos abraçam-se longamente, e as meninas choram na hora da despedida (sabendo que vão mudar de escola ou que vão chumbar). Grandes emoções.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A anestesia


Nesta última semana de aulas, alguns professores, já não tendo nem matéria nem testes para dar, levam os alunos para a "videoteca". E diante de um ecrã de 55 centímetros duas dezenas de jovens ficam calados e aquietados a ver um filme. É o milagre da televisão, a maravilhosa caixa educadora que os aliena, pacifica e modela como ninguém outro. 

terça-feira, 2 de junho de 2009

Os recuperáveis


Como já aqui tenho contado, os alunos de 10º do curso profissional de informática têm-me dado mais preocupações do que seria de esperar neste nível, até pelo facto de estarem numa via vocacional. Boicotam sistematicamente as aulas, não tiram apontamentos, criam conflitos, etc. Entretanto aproxima-se o final do ano e aqueles que não conseguiram passar alguns módulos, querem fazer mais testes de recuperação.

Explico: «Já fiz três testes para cada módulo (dois de recuperação) e se não conseguiste fazê-los é porque não sabes o suficiente. O que nem admira, pois não estás com atenção na aula nem fazes os trabalhos pedidos».
Mas o rapaz tem outra engatilhada: «E não dá para puxar este 7 para 10?»
Respondo: «Deves estar a brincar. Existe um programa com mais de 100 páginas, um programa que vocês nem conhecem, mas que corresponde ao que está no vosso manual. Se tu nem o livro trazes, de que estás à espera? Pensas que nasceste ensinado?»
«Mas a setora tem a obrigação de nos fazer testes até a gente passar», diz revelando a sua estratégia.
«Era o que mais faltava», respondo na minha lógica de professora de outros tempos. «O programa que eu tenho de cumprir deve preparar-vos para poderem, se quiserem, fazer o 12º ano. Ora, para isso não me parece que estejas preparado».

Estes miúdos habituaram-se a passar de ano automaticamente e agora, chegados ao limiar da idade da razão, já pensam que isso é um direito, uma exigência. Não trabalham, mas acham que os professores não só têm de aturar a sua má-criação e arrogância como ainda têm obrigação de lhes dar notas boas, só pelo facto de eles cumprirem o proforma do teste.

E agora o admirável secretário Valter quer instituir, também no secundário, os Planos de Recuperação - e com isso tornar a vida infernal aos professores, obrigando-os, como no ensino básico, a fazer tantos planos e medidas de recuperação que na prática impeçam o "chumbo". E os meninos reizinhos é que tocam a caixa pela qual marcham os docentes. Tudo isto é insultante.

Mas ao contrário do que possa pensar - e é preciso que se diga - estes planos de recuperação são uma farsa. São uma quantidade de parâmetros que é preciso preencher para cada aluno em cada disciplina, e fazer assinar pelo encarregado de educação e pelo próprio aluno, como uma espécie de contrato, para que, depois, se o aluno não recuperar, já não seja possível chumbá-lo, "uma vez foi feito tudo o que era possível para o recuperar" e, portanto, automaticamente ele recuperou o máximo que era possível, pelo que deve continuar a "progredir ao seu ritmo".

Na minha direcção de turma de 7º ano, tenho 15-quinze-15 planos de recuperação. São um mero expediente burocrático. Ocupam demasiado tempo a preencher, mas na prática, nenhum professor altera as suas práticas na sala de aula, pois não é possível diferenciar o ensino a este grau, como demagogicamente se proclama.

Se querem ver um exemplar destes planos, e à falta de um da minha escola, encontrei este: http://agvl.ccems.pt/docs/AnexosPCE_II-SV78.pdf