sexta-feira, 5 de junho de 2009

Último dia



Acordei às 7 da manhã, bastante antes do despertador. Levantei-me inquieta e às 8 já estava a corrigir trabalhos e testes entregues na véspera.

A primeira aula, às 10h10, foi Língua Portuguesa do 7º ano. Alinhei os miúdos em fila (agora já não protestam) e fiz uma chamada rápida enquanto marcava as faltas. Entraram, pedi logo a um mais expedito que escrevesse o sumário (correcção do teste entregue na véspera) e acrescentasse um asterisco, com uma nota ao canto do quadro: "quando acabarmos, podem sair". Mas logo não encontrava nos meus vários dossiers os testes que acabara de ver. Chamei a auxilar do corredor e pedi-lhe que ficasse com os alunos por dois minutos enquanto ia ao meu cacifo. Voltei. A correcção do teste feita oralmente, apesar do estímulo de poderem sair mais cedo (pela primeira vez no ano), não foi tão rápida quanto desejava. Ao fim de uma hora acabámos a conjugar em coro os verbos no modo indicativo. Depois de arrumarem as carteiras, mandei-os sair um a um, avisando-os, um a um, à medida que saíam passando por mim à porta, que se fizessem barulho no corredor eu é que ia ouvir do Director.

Intervalo breve: como um croissant misto e vou rapidamente para o segundo bloco de aulas, Estudo Acompanhado, hoje com duas professoras de ciências que vieram fazer a segunda aula de educação sexual. Mando fazer fila à porta do pavilhão, marco as faltas, entram as professoras e depois os meninos. Começam as respostas às perguntas anteriormente feitas: sobre menstruação, SPM, tampões, pílulas, preservativos feminino e masculino, HIV e Sida, gravidez, etc.
- O meu padrasto é seropositivo e o meu avô morreu de sida! - diz um miúdo.
- A sida transmite-se pelas escovas de dentes?
- E pelo beijo?
- Porque é que há preservativos de chocolate?

"Depois vamos passar à parte prática", explica uma professora. Risadas. "Mas primeiro vão ver como é que se abre e coloca um preservativo". A professora demonstra. Depois juntam-se os meninos em grupos de cinco, grupos mistos, e em cada mesa é distribuída uma banana e um preservativo, que uns enfiam melhor e outros desenfiam e desenrolam continuadamente. Ficam com as mãos lubrificadas e pedem enojados para as limparem. Gostei sinceramente desta aula das minhas colegas. Achei muito bem. Simples, desmistificadora e eficaz na mensagem principal: usar sempre o preservativo.

Ainda fizeram mais um jogo de confraternização em que cada um tinha que escrever três elogios num papel colado nas costas dos outros. Nada de novo para eles, que já tinham feito um jogo parecido com as psicólogas e que desde ontem riscavam camisolas incessantemente. A mim escreveram só dois elogios: "bakana" e "divertida". Tal como um outro miúdo disse, achei que era mentira.

Ao saírem da aula, uma miúda repara que lhe tiraram o telemóvel de cima da mesa. Desata a chorar desesperada. Mais um roubo. Um outro miúdo tem uma suspeita e digo-lhe que não a revelarei se me disser ao ouvido: sugere-me que poderia ter sido certa miúda que saiu logo depressa. Fico muito chateada com o caso e uma colega diz-me que não me preocupe e esqueça o assunto, senão ainda me vêm pedir responsabilidades. Encontro a professora de inglês com quem eles vão ter a última aula a seguir ao almoço e pergunto-lhe se posso ir interromper a aula dela para tratar ou moralizar acerca do roubo (o outro fora no 1º período).

Entretanto, tenho que aproveitar o tempo para ir adiantando a inserção de notas no sistema G.A. (Gestão de Alunos) e a minha secretária de reunião oferece-me para me ajudar. A duas é mais rápido e enganamo-nos menos. Mas primeiro vamos almoçar qualquer coisa ao bar, que está já bastante desprovido, pelo que peço um bolo e um café para me dar energia. Mas de repente passa a miúda suspeita. Sigo-a e interpelo-a: "Mostra-me o teu cacifo", digo sem explicar. Ela estranhamente não refila, como é seu hábito, nem pergunta porquê, 0 que seria o mínimo expectável. pressinto que ela saberá porquê e que nada vou encontrar. Estou a revistar-lhe o cacifo, quando a minha colega vem dizer-me que o telemóvel já apareceu, disseram-lho agora mesmo. "Ainda bem, estava a ver que tinha que revistar os cacifos a toda a turma", digo em jeito de desculpa.

Começa a agitação no átrio decorado. Vai haver concerto e os meninos das escolas de 1º ciclo do Agrupamento vão-se sentando no chão à espera. Na sala dos DT, mesmo ao lado, inserimos as notas no GA. Toca o telefone para mim: uma mãe que desde há uma semana diz querer falar comigo, "mas tem sido muito difícil". E teve sorte, explico eu pela enésima vez, pois tirando a minha hora de atendimento, ando sempre em trânsito pela escola. O caso é que a professora de matemática deu um teste a todos os alunos e quando o filho o pediu a professora recusou dizendo que para ele já não valia apena (uma vez que ia ter negativa a matemática). Que o filho tinha ficado muito magoado e que não era correcto uma professora agir assim. Disse-lhe que sim, que era estranho, que iria saber de que tratava, mas que era sempre possível que o filho tivesse interpretado mal as palavras da professora, até porque, como antes víiramos, ele tem uma certa tendência para inventar (e para mentir à mãe nas notas). Enfim.

Subo de novo as escadas para ir buscar os materiais para a próxima aula. Troco de dossiers e lá vou eu, carregada como um burro, atravessando o jardim, enquanto cai uma chuva de verão inesperada. Encontro abrigo no guarda-chuva da colega de inglês, que, risonha, me pergunta então por que não apareci, e ela que esteve a fazer horas e a entreter os miúdos... Peço-lhe imensa desculpa, tinha-me esquecido completamente. Prossigo.

No átrio, uma rapariga de microfone em punho e som alto pede aos circunstantes para se calarem para poderem ouvir a música que se vai tocar. Em vão. O trio acústico inicia mais uma peça de Mozart, mas é impossível calar o ruído. Parecem uma música de fundo longínqua, mas o pessoal e o miudal estacou por ali, não sei se a ouvir.

Na sala de professores do secundário, uma outra colega queixa-se dos alunos insuportáveis de 10º, os mesmos que também a mim só me dão trabalhos e que o director de turma não quer ou não sabe sancionar como lhe competia. "Ah é? - diz outra professora - Eu não tenho tido problemas com eles. Só hoje é que dois não queriam sair da aula e tive que chamar o DT". Se isso não são problemas...

A turma de 10º ano vai fazer teste do módulo 5 (Textos dos Media). Mas já não sei onde estão os testes que acabei de embolsar 5 minutos antes. Os meus neurónios andam a falhar sistematicamente. A memória RAM anda em baixo. Mas lá os encontro. Os alunos portam-se decentemente, tirando o estarem sempre a fazer perguntas alto e a mandar boquinhas. Acabam o teste, mas apesar de poderem sair preferem ficar. Enquanto não chatearem, podem ficar. Eu aproveito integralmente os 90 minutos para pôr em ordem 3 dossiers de papelada em desordem.

Intervalo grande: passo pela sala de DT, encontro a professora de matemática, que só agora me dá as notas que imediatamente insiro no GA. E aproveito para lhe contar a história da queixa da mãe. Ela, mal-disposta, responde que deu um teste de recuperação somente àqueles alunos que estavam entre o 2 e o 3, só a alguns portanto, onde não se inclui o tal. Obviamente tinha que haver uma razão simples, mas que um miúdo mimado e uma mãe-galinha transformaram num caso de indignação contra a professora.

Às 17 horas, dirijo-me à última aula do dia (a sétima): Assembleia de Turma. Quando me perguntam se podem sair mais cedo, digo logo que sim, mas não lhes apetece assim tanto e tenho que os mandar embora. "Cuidado com o Director", aviso, mas eles querem lá saber. Saio por último e logo ali está o director à porta que tem cravadas as letras "C. Directivo".

Lá em baixo, o concerto, agora jazzístico, prossegue em alto som. Entro na sala de DT. Arrumo os afazeres, procuro organizar-me. Chamam por mim. Chegou uma Encarregada de Educação que eu chamara à escola por causa da Avaliação Extraordinária de um aluno, que com as suas 7 negativas, só no último período de demonstrou alguma vontade (ainda que fingida) de estudar um pouco, mas isso não o livrou das más notas. Isto sei eu, mas não o digo. Como já anteriormente tinha reprovado, aliás, repetido, aliás, ficado retido (os eufemismos para essa coisa vergonhosa que se chama "chumbar" são cada vez mais cautelosos), sou obrigada por lei a chamar a E.E. para saber o que ela pensa e o que considera mais benéfico para o aluno: ficar retido ou progredir (ou transitar, ou ser aprovado, ou passar). É uma conversa mais ou menos longa, que não tenho já paciência para aqui reproduzir. A E.E. tem 20 anos e é irmã do irmão. Compromete-se a ajudá-lo e estar atenta, caso passe, como caso não passe. Os olhos do miúdo brilham de esperança. Despedem-se gratos. Mas a decisão é do Conselho de Turma, já lhes explicara.

São 18h. Volto ao meu trabalho de DT. Tenho ainda que levantar as faltas da semana, inseri-las no GA, organizar montes de papelada, e isto porque a minha reunião é na segunda de manhã. A música aos altos berros não pára. Não consigo pensar. Já me doía a cabeça desde uma hora atrás, agora estala. Há 10 horas que não páro. Todas as minhas sextas-feiras deste ano têm sido assim; ou antes, pior, muito pior; esta foi de todas a mais leve, pois quase não dei aulas. Venho embora, não é possível aguentar.

Chego a casa e a minha filha, que vai fazer exame de 12º ano, espera que eu lhe mostre a correcção que fiz do exame que ela fez como exercício. Segui as instruções oficiais e fui rigorosa e severa. Nota: 12. É pouco para ela, mas mostra-se interessada e percebe todas as correcções que lhe faço. Já me deixou no computador outra prova resolvida para eu corrigir. A dor de cabeça vai-se esvanecendo. Saio depois e vou esmoer o stress na bicicleta.

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